(o doutrinador conversa com o espírito incorporado no médium)
O companheiro cuja história contaremos a seguir exercia importante função no segundo escalão de certa comunidade das sombras onde havia sido desenvolvida uma boa tecnologia de controle de mentes encarnadas e desencarnadas, dentro de um vasto e bem elaborado plano de trabalho. Quando procurou o grupo mediúnico, seu líder já havia sido convencido a abandonar a tarefa inglória e mudar o rumo da sua vida, milenarmente infeliz e atordoada, em que somente agravou culpas e acumulou enganos.
A comunidade ficou totalmente desarticulada, mas houve quem desejasse assumir o comando, reconstituir as equipes e recomeçar as tarefas a partir daquele caos. Foi este o companheiro que nos visitou na semana anterior. A despeito de sua disposição, de seu inquestionável valor e da agressividade inicial da sua atitude, também ele cedeu à amorosa e firme acolhida do grupo mediúnico e resolveu abandonar os seus planos de retomada.
O irmão de que trata este capítulo, ficou na desolada comunidade, cheio de esperanças, firme no seu propósito de colaborar com o novo líder na recomposição das equipes. Em lugar de regressar com a boa nova, o companheiro escreveu-lhe um bilhete lacônico, dizendo que havia decidido “trilhar outros caminhos”, deixando-o livre para fazer de si mesmo o que desejasse.
Frustrado, pois, nas suas derradeiras esperanças, o nosso querido irmão tornou-se compreensivelmente indignado e em verdadeiro estado de desespero e de rancor, compareceu ao nosso trabalho, disposto a tudo para vingar-se do ”fracasso” dos seus companheiros. Sua indignação e revolta eram tantas que a sua gaguez habitual quase o impedia de falar, mas seu pensamento, embora fixo na obsessão da vingança, era coerente lúcido e muito bem elaborado, demonstrando excelente poder verbal.
Confessara-nos, com lealdade, que seu mundo desabara. Tinha lá seu trabalho, sua posição e até mesmo uma companheira, a quem amava e da qual, naquele momento em que nos falava ali, não sabia do paradeiro. Sua vingança dirigia-se, obviamente, à pessoa do doutrinador, a quem atribuía toda a sua desgraça e o desmantelamento do seu grupo.
Para atingi-lo, na exata medida, planejara desencadear uma crise doméstica, pois declarou possuir na família do doutrinador pessoas a quem estava intimamente ligado há muito tempo. Conhecia os esquemas cármicos de cada um e, segundo confessou, nem era preciso muito esforço — bastaria “uma ponta de alfinete ou mesmo de espinho” para dar início ao processo desagregador.
Não cometemos a imprudência de considerar a ameaça como simples bravata. Sua indignação era autêntica, estava convicto do direito à vingança e quanto aos “encaixes” cármicos para a dor, todos nós os temos — basta um alfinete bem manipulado por alguém que conheça o ponto a ser ferido.
Quanto a ele, pessoalmente nada tinha a resgatar perante as leis divinas, porque sempre viveu entre lobos, limitando-se a retribuir o mal que lhe haviam feito pelos tempos afora. Eram “elas por elas” e, portanto, entendia que nada tinha a resgatar. No caso presente, atribuía ao doutrinador a culpa pela sua desgraça pessoal e, portanto, tinha direito à forra, nada ficando a dever por qualquer atitude que tomasse. Além do mais, essas cobranças têm que ser feitas enquanto a gente pode e está ali, junto das pessoas que nos feriram. Se deixarmos para depois, pode acontecer que a oportunidade se perca.
Eis, em resumo, sua trágica filosofia de vida, consolidada ao longo de muitas vidas de sofrimento, de revoltas e de vinganças, pois nunca chegava às raízes da sua problemática para descobrir as causas que provocavam todos aqueles efeitos em cadeia.
Sobre uma existência na Espanha — cremos que a última, não foi preciso recorrer ao processo da magnetização, com vistas à regressão de memória. Ele se lembrava perfeitamente dos fatos, com todas as suas minúcias. E como lembrava! Com que desesperado ódio, que mal o permitia falar! Com freqüência, atingia, na sua aflitiva gaguez e angústia, os limites vocais do médium e a voz se perdia num ruído incompreensível.
O diálogo começa com uma fala do doutrinador:
— E você nunca teve um amor? Nunca ninguém te amou? Sempre viveu sozinho, perdido, assim, no mundo, vingando-se e sendo vingado? Suas vidas foram todas vividas nessa agonia? Nunca houve um momento de paz? Nunca teve uma existência em que sentiu o reconforto de uma família, as esperanças de um filho, o carinho de uma esposa, a afeição profunda de uma mãe? Sempre foi assim?...
— Tive. Tive isso tudo, mas acontece que os homens, seus irmãos, invadiram um dia o meu lar e acabaram com tudo. Que tal você acha isso?
— Conta-me essa história, por favor.
— Não. Não vou contar história, que não lhe vai adiantar nada saber.
— Para mim vai adiantar muito, porque me interessa conhecer o seu problema para que possamos te ajudar, mas vai adiantar principalmente para você, porque por alguma razão isso te aconteceu. Você acha que foi assim gratuito, que você não tinha culpa nenhuma?
— Deve ter sido, não é? Deve ter sido...
— Deve, mas você não tem certeza, não sabe, não pode afirmar...
— Não quero entrar no mérito dessa questão!
— Pois é, meu filho. Exatamente porque foge do mérito da questão é que você nunca poderá entender. Enquanto você fugir não vai entender. O que acontece é o seguinte: você naturalmente levava uma existência em que estava tentando corrigir-se, praticar o bem, criar uma família decente e ter filhos sadios, inteligentes, normais, uma esposa amorosa... Tudo isso entendemos, mas você já pensou se, no passado — não estou dizendo que seja o caso —, se no passado você fez a mesma coisa com outro lar? Que você tenha invadido, derrubado tudo e destroçado famílias?
— Eu fiz isso, sim, mas depois. Eu me vinguei, está compreendendo? Me vinguei...
— Você ficou feliz, então?
— Você não fica feliz com uma vingança, porque ela não vai reconstruir o que você perdeu. Isso eu admito. Uma vingança não deixa ninguém feliz, mas você se sente compensado.
— Não... Se você não se sente feliz, como vai sentir-se compensado? Está contraditório...
— Porque o outro passou pelo mesmo. Então ele está sentindo o que você passou. Compreende?
— Compreendo, mas vamos voltar ao nosso problema. Digamos que, no passado, você tenha feito coisa igual. Então a lei de Deus, a lei do Nosso Pai, resolveu levar esta lição a você, cobrando uma falta que você cometeu.
— Ah!... cobrar uma falta de mim e quem pagou foi a minha Dolores que nada tinha que ver, que era um anjo de candura e de virtudes e de tudo? É? Foi isso?
— Espera aí, meu filho. Vamos devagar.
— Muito bem... o seu sentido de justiça!
— Espera, meu filho. Tenha paciência comigo. Nós vamos chegar lá... Não se exaspere.
— Não estou exasperado de jeito nenhum.
— Pelo que vejo, você tinha uma grande afeição, um grande amor e um grande respeito pela sua Dolores. Vocês tinham filhos, também?
— Tínhamos.
— Onde foi isso?
— Onde você encontra uma Dolores?
— Na Espanha.
— Claro! Onde mais?
— Sei. Ela era católica? (Não responde). Não importa. Era um ser nobre e puro, não é verdade?
— Era. Isso mesmo. Era.
— Você acha que ela aprovou o seu gesto, vingando-se...
— Deve. Deve ter... Eu não estive com ela depois disso. Como é que vou saber?
— Quando foi isso? Foi no século passado? Em que época foi isso?
— Não quero falar disso.
— Tem muito tempo, não é?
— Tem algum tempo...
— Um século ou mais?... Quero apenas ter uma idéia. E você nunca se encontrou com ela no mundo espiritual? Ela nunca se comunicou com você, nunca te procurou? Você nunca mais a viu, nem espiritualmente, nem em sonho?
— Não... Vivi muito tempo mergulhado no meu ódio e na minha revolta e no desejo de só vingar.
— Sei. Mas ela nunca te disse que você se vingasse. Ela mandou você vingar?
— Ela não teve tempo! - grita ele. Como ia ter tempo? Ela foi tru-ci-da-da por ordem daquele maldito... (A voz se embarga e ele não consegue concluir).
— Você diz que ela era uma criatura amorosa e pacificada, um espírito nobre, e você, mergulhado no ódio, meu querido, separou-se dela pelo ódio. Não digo que você fosse agradecer aquele que mandou trucidá-la, é claro. O sentimento é legítimo, mas não justifica um novo crime, meu filho.
— Mas eu era um homem honesto, compreende? E tinha um lar honesto. E sabe por que eles fizeram isso com ela? Porque ela era virtuosa.
— Mas como foi isso? Por que isso? Conte-me essa história direitinho, por favor. Tenha paciência. Que foi que aconteceu? Por que você diz que fizeram isso porque ela era virtuosa?
— Porque ela não quis concordar com uma traição indigna de uma mulher honesta, que amava o seu marido... ainda tem mais essa.
— Amava, não. Ela continua a te amar. Ela não se esqueceu de você, nem te abandonou. O problema, meu querido, é que ela seguiu na vida espiritual evoluindo, caminhando para Deus, e você, mergulhado no seu ódio, nas suas vinganças, nos seus rancores, afastou-se cada vez mais dela. Ela não deixou de existir. Continua a viver como Espírito, continua a esperar por você. Por que você quer ficar para trás, vingando-se, quando pode ir ao encontro dela? Estes seres de quem você quer hoje vingar-se, causando dissabores (parentes do doutrinador) estavam também lá, naquele episódio? Na mesma época? Eles foram causadores disso?
— Eu não quero voltar ao passado, não, porque isso é muito desagradável!
— Pois é, meu querido. Será mais desagradável ainda se você continuar levando esse ódio para o futuro. Você continuará a carregar esse mesmo rancor, essas mesmas aflições, essas mesmas angústias. Sempre planejando vinganças, sempre desejando maltratar os outros. Cada vez que recebemos uma dessas punições, desses reparos, dessas dores, é porque anteriormente também desobedecemos à lei. Naquela vida, na Espanha, você foi um cidadão honesto, estava interessado em levar uma vida limpa, criar os seus filhos, como disse, mas você não tem conhecimento da razão desse crime que cometeram contra você. Alguma coisa você fez para merecê-lo.
— Eu lhe digo uma coisa. Nunca aceitaria... Tomei ódio dos títulos de nobreza, porque conheci nobres tão podres por dentro! Eu jamais aceitaria um título.
— Você nunca foi nobre?
— Ora... fui, mas o que me adiantou?
— Então você acha que todos os nobres são seres inferiores?
— Conheço muitos que passam por boas pessoas, aí no que vocês chamam a História. E sei que boas biscas foram...
— Mas porque eram nobres ou porque não seguiram as leis do Nosso Pai?
— Você já ouviu falar na Casa de..., não já?
O doutrinador confirma e cita um nome que, afinal, localiza a tragédia no tempo, aí pela primeira metade do século XVI. A pessoa a quem ele se refere foi da alta nobreza espanhola. Homem poderoso, severo, duro mesmo e até cruel, que sacrificou implacavelmente milhares e milhares de pessoas aos seus e aos interesses de seu rei. Morreu aos sessenta e cinco anos, tendo conseguido sobreviver o último ano de sua existência alimentando-se exclusivamente de leite humano. Por isso, o historiador americano Will Durant escreve que ele “viveu um ano a poder de leite e cinqüenta a poder de sangue”.
Voltemos, pois, ao fio da narrativa. O Espírito retoma o diálogo:
— Estou perguntando que informação você tem dele?
— Não me lembro exatamente do episódio. Sei que foi uma figura importante na História da Espanha. Você o conheceu pessoalmente?
— Sei que boa bisca de devasso, de tudo que não prestava - diz ele no limite da voz. (Pausa) Que Deus o tenha nos in-fer-nos, queimando no fogo eterno! (Chora).
— Isto, meu querido, não vai minorar a sua dor; ao contrário, somente vai avivá-la cada vez mais.
— Tenho vontade de bater com a cabeça até estourar, para ver se desapareço — gaguejou ele aos gritos, desesperado e em pranto. Eu... eu... Sou um desgraçado! (Mal pode falar) Des-gra-ça-do...
— Não. Não é. Você é um filho de Deus igual a nós. Espera um momento. Relaxa um pouquinho. Vamos orar. E você vai ficar aí para acompanhar a nossa prece. Depois voltaremos a conversar. Calma!
O doutrinador ora, enquanto o Espírito faz o médium ofegante permanecer em expectativa. Faz-se uma pausa. Em seguida, o doutrinador lhe pergunta:
— Está sentindo-se melhor? (Ele acena que sim). Graças a Deus! Escute, meu querido. Não leve a mal nossas pressões iniciais. Todo o nosso trabalho se resume em levar a cada um de vocês uma mensagem de compreensão e de afeto. Sei que, às vezes, esses espinhos são tão dolorosos, estão implantados tão profundamente em nosso ser que dói muito tirá-los, mas é preciso a dor desta operação sem anestesia, para que possamos entender as nossas próprias dificuldades e começar a vislumbrar um pouco de esperança. Você não está abandonado, desprezado nem perdido. Você não é um desgraçado, nem infeliz: é um ser que sofre. E continuará a sofrer até que se decida a entregar-se a Deus e pedir a ajuda do Pai para os seus problemas. Não é dominando, vingando-se e causando dissabores àqueles que o fizeram sofrer que você vai aplacar a sua dor; pelo contrário, vai aumentá-la, vai prolongá-la no futuro, vai distanciar-se cada vez mais daqueles a quem você continua a amar, e que continuam a amá-lo. Por que,
em vez dessa vida desesperada, você não dá uma oportunidade àqueles que o ajudaram? Àqueles verdadeiros amigos que são seus... Está de acordo?
— Vivi muito tempo fugindo, com medo de nem sei o quê... Eu me filiei a essa casa de trabalho porque eles me garantiram que iam desencavar o paradeiro do miserável que me desgraçou a vida. E para que eu pudesse cobrar totalmente a minha dívida.
— Você conseguiu encontrá-lo?
— Você me impediu. Quando tive informações precisas, você surgiu na frente, com uma bandeira estranha e começou a dificultar tudo.
— Então seu objetivo era só vingar-se... Persegui-lo. Escute. Vamos fazer uma coisa. Vou pedir a você que relaxe bem os músculos para ser possível fazer uma regressão, a fim de que você possa entender o seu problema com esse irmão nosso. Não estou justificando, nem desculpando a ação que ele cometeu contra você. Estou apenas tentando mostrar a você, meu querido companheiro...
— Ele foi meu primo... Muito pior!...
— Sim, mas vamos ao passado. Vamos ver por que chegou a esse ponto.
Segue-se o processo de indução e a esperada resistência do Espírito, que tem sempre boas razões para temer o mergulho, na verdade, nos porões da memória oculta. Não nos esqueçamos de que ele é competente e hábil manipulador de mentes e que, portanto, conhece as técnicas empregadas e tem melhores condições de resistir à indução. O apoio espiritual neste ponto é indispensável.
Ele começa a queixar-se de confusão mental.
Desse ponto retomamos o diálogo.
— Tem um nome na minha cabeça, mas não consigo formar. Não consigo. É vago...
O doutrinador o estimula pacientemente.
— É um lugar... (Longas pausas, prolongados silêncios). Não sei onde estou. (E, de repente, com a voz perfeitamente normal, enérgica, firme e sem gagueira alguma:) Estou praticando o lançamento do disco, é claro. Preciso ganhar do meu irmão. Ganhar o jogo. Somos gêmeos, mas ele é muito diferente de mim. Ele é mais belo. Joga melhor o disco. Mas eu sou mais astuto. Somos muito ricos; nosso pai é muito rico.
— Só os dois irmãos? O que você fez, então?
— Que eu fiz? Ora... Meu irmão casou-se antes de mim.
— Tem uma bela esposa...
— Muito bela! Você não vai gostar de ouvir isto!
— Não, meu querido. Não se trata de gostar, trata-se de contar a sua história.
— Você não vai gostar de ouvir isto! Acho que ela é uma esposa bela demais para ele. Meu irmão é mais belo, é mais adestrado, mas eu sou mais inteligente. Ora... o que aconteceu... Sua esposa apaixonou-se por mim. Ora, você não vai gostar de ouvir isto!
— Conte a história da maneira pela qual você se está lembrando. Vamos!
— Nosso pai morreu. E, então, dividiu-se a fortuna, mas o meu irmão, muito confiante... Eu queria casar-me com ela, mas não podíamos, não é?
— É claro. Que foi, então, que você fez?
— Um dia, em que jogávamos o disco, nós... bem... nós jogávamos... Depois nos
refrescávamos e tomávamos sempre uma taça de vinho. Só que, um dia, ele tomou uma taça de vinho e não se sentiu bem depois.
— Tinha veneno, não é?
— Não... Não foi veneno. Os médicos disseram que ele estava cansado e o coração não...
— Ah! ele morreu, então?
— Claro...
— Mas, que coincidência! Só a taça de vinho dele que estava envenenada; a sua não?
— É claro que não. (Sorri).
— Mas, era da mesma garrafa?
— Era, meu caro, mas quem colocou o vinho nas taças fui eu.
— E ele morreu do coração?...
— Foi isso que disseram.
— E você se casou com a viúva?
— Claro.
— E ficou com a fortuna...
— Sem dúvida.
— E vocês foram felizes?
— Alguma coisa...
— O que você quer dizer com “alguma coisa”?
— Porque... (Hesita) Porque ela acabou perturbando-se e... eu tive que declará-la louca.
— E você ficou com todo o dinheiro?
— É. Sem a esposa, não é?
— E você se casou outra vez?
— Só muito mais tarde.
— Ela já havia morrido?
— Já.
— E você foi feliz nesse segundo casamento?
— Eu já era velho. E daí que não tinha mais os calores da juventude. E era rico.
— Você quer dizer que ela — a segunda esposa — se casou com você por interesse?
— Provavelmente.
E o que aconteceu depois?
— Nada! Foi uma boa esposa.
— Isso tem muito tempo? Você tem idéia da época que foi? Onde foi isso?
— Onde se jogava muito o disco?
— Na Grécia.
Ele tem um choque e diz:
— Esparta... Esparta!
— Então você sacrificou o seu irmão, ficou com a esposa dele e depois sacrificou-a também, não é verdade? É isso?
— Sacrificou, você diz?
— Sim; você não a internou como louca? E lá ela morreu, não é?
— Na verdade, não era agradável vê-la sofrer.
— Por que ela ficou louca? Ela descobriu o seu crime?
— Porque ela ficou com remorso.
— Ela participou também do seu erro?
— Sim. Mas eu a libertei da loucura. Sabe como? Com outra taça de vinho...
— Este era o seu irmão gêmeo, não é verdade? Agora você vai voltar para aquele tempo em que você viveu na Espanha com a sua Dolores. Vamos! Vem cá outra vez.
Reage aos toques magnéticos, çontorcendo-se e pedindo que não faça aquilo. Volta à gagueira aflitiva. A voz clara e a palavra fluente duraram apenas o tempo em que esteve posicionado, regressivamente, na existência em Esparta, na Grécia.
— Não faz assim comigo! Você está me dando choques ... O que você quer ver?
— É você, meu querido, aquelas personagens do seu drama na Espanha. Por que razão aconteceu isso? Veja se identifica as pessoas, os Espíritos.
Pausa. Em seguida:
— Você quer dizer que a minha Dolores foi a mulher do meu primo? (Relaciona o primo na Espanha com o irmão gêmeo, na Grécia).
— Não quero dizer nada, meu querido. Você é que vai dizer se é verdade ou não. Não quero te induzir, não quero te dominar. Não pretendo fazer nada com você que você não queira. Você é que tem que decidir isso; não eu.
— Eu matei meu irmão. Isto se chama fra-tri-cí-dio, não é?
— É verdade. Então, depois, passados alguns séculos, muitos séculos, as leis do Nosso Pai exigiram de você um resgate semelhante. Sua esposa é sacrificada e alguém destrói o seu lar. Você não estabelece aí uma relação entre um episódio e outro?
Pausa.
— Se isto não é um truque qualquer que você arranjou, eu destruí o lar do meu irmão. E o meu primo destruiu o meu lar.
— Precisamente. É isso!
— O meu primo era o irmão que eu matei!
— Provavelmente. Não sei. É provável. Isso não posso afirmar. Agora, o que desejo apenas é que você, por favor, compreenda bem o mecanismo das leis divinas, para que não saia odiando e vingando-se de criaturas que, muitas vezes, estão relacionadas conosco, em nossos próprios erros passados. Não é verdade?
— Mas eu não posso fazer nada agora. O que está feito, está feito.
— Espera um momentinho... Não pode fazer nada, não. Você não pode desfazer aquilo que fez errado. De fato, o erro está cometido, mas você não é obrigado a cometer novos erros, que vão mais tarde trazer outros resgates dolorosos. Aí você não sai mais desse círculo vicioso. Você viu que as leis de Deus somente permitiram que naquela vida na Espanha você tivesse sua família sacrificada, porque antes você fez a mesma coisa com outra família, com a família do seu próprio irmão.
— Mas, a Dolores não me traiu.
— Nem a outra traiu o seu irmão, traiu? Ou foi você que a induziu à traição? Ela era, também, uma esposa leal, no princípio. Ela gostava dele. Por que você a induziu ao erro? Você não acha? Escuta, meu querido. Não quero que você fique envergonhado perante nós. Estamos aqui num ambiente de seriedade, de muita paz e é hora de você abrir seu coração, como fez. Você disse que isso podia ser um truque. Realmente podia. Mas fui eu quem inventou essa história? Ou ela está no seu próprio Espírito? Deixo a você a oportunidade de meditar sobre isso. Não estou, também, fazendo isto aqui junto de você para que você deixe de exercer a sua vingança sobre aqueles meus familiares contra os quais você se voltou para me ferir. Não estou implorando, nem pedindo, nem forçando você a deixar de fazer isto. Você é livre de fazer o que quer. Mas, não se esqueça, meu irmão, que respondemos por todos os nossos atos, os bons e os outros.
— Eu não vou fazer nada a eles.
— Eu esperava isso desde o princípio, mas queria que você compreendesse isso, não por mim, mas por você mesmo. É o que acaba de acontecer. Você já verificou que a vingança não resolve nada. Naquela vida na Espanha, se houvesse aceitado, a dor que te causou a perda da sua esposa querida, sem vingar-se, você teria resgatado um compromisso muito importante para o seu Espírito. Vingando-se, você retribuiu, você reabriu o ciclo das aflições. Agora, chega de vingança.
Aquele a quem você odeia é realmente o seu irmão.
— Então você me fez um benefício, não deixando que eu fosse atacá-lo!
— Acho que a sua conclusão está certa num ponto. A questão é que não fui eu que fiz isso. Nosso Pai permitiu que chegássemos a você antes de você cometer um novo desatino. Não valho nada nisto aqui. Nenhum de nós é importante, nenhum de nós deseja humilhar, nem tornar ninguém infeliz. Desejamos, apenas, mostrar que as leis de Deus são muito sérias e que temos que respeitá-las para sermos felizes. Compreendendo isto, agora, como compreende, você pode ir ao encontro da sua Dolores que o aguarda. Mas vai com o coração limpo. Não leve a ela uma nova vingança, e sim um coração que deseja recuperar-se para merecê-la novamente, numa outra existência de paz, em que vocês possam ser felizes. Está de acordo? Muito obrigado por ter confiado em mim. Foi a partir daquele ponto que você começou a perceber as coisas com maior clareza. Agora, vai em paz. Vai repousar, para que possa mais tarde recomeçar a sua caminhada. De fato, você não pode desfazer os seus erros, mas pode refazer a sua vida. Está
entendido?
— Abominei tanto o meu primo e, afinal de contas, não sou melhor do que ele!
— Não. Não se trata de dizer aqui quem é melhor, quem é pior. Trata-se de ver que são dois Espíritos em luta. Ele, quando passou por aquela aflição na Grécia Antiga, provavelmente tinha também seus compromissos espirituais. Caso contrário, nada daquilo teria acontecido. Então, meu querido, agora é hora daquela palavra do Cristo: “Reconcilia-te com o teu irmão antes da tua oferenda”. Você começa, aqui neste ponto, uma nova existência. Muitas lutas te aguardam, mas não faltará apoio para realizar o seu trabalho de recuperação. Provavelmente vocês terão... você, o seu irmão, a Dolores e o outro Espírito também, oportunidades de conviver novamente. Tenha bem presente essa lição tão importante da vida, que é a responsabilidade pelos nossos atos, e a mensagem de amor fraterno que o Cristo nos ensinou: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Está bem? Vai em paz. Deus te abençoe!
— Obrigado...
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