(o doutrinador conversa com o espírito incorporado no médium)
Este companheiro apresentou-se com enorme relutância inicial em fazer-se entender. Não porque não fosse bem articulado, inteligente e experimentado; muito pelo contrário. Sofrera, porém, o que poderíamos chamar de um choque emocional minutos antes, ao ser introduzido no recinto do grupo mediúnico para a incorporação.
Fora recebido por um dos nossos queridos Irmãos Maiores, aquele que durante o curso de alguns anos nos proporcionou a mais assídua presença, a firmeza da sua orientação, a serenidade imperturbável do seu amoroso Espírito. Era precisamente este companheiro nosso que em tempos remotos fora amigo pessoal daquele que nos incumbia receber naquela noite.
O inesperado reencontro causou tremendo impacto em nosso angustiado irmão, tumultuando suas emoções e comprometendo irremediavelmente o esquema de trabalho que trazia para discutir conosco, pois, como sabemos, eles elaboram cuidadosamente o roteiro básico das ideias que pretendem apresentar e de como apresentá-las.
Recuperou, porém, algo do seu abalado autocontrole e foi expondo, aos poucos, a razão da sua presença entre nós naquela noite. O grupo mediúnico estava interferindo no seu esquema de trabalho e era preciso neutralizá-lo a qualquer preço. Coubera-lhe essa missão delicada, onde e quando outros haviam falhado.
Queixava-se ele de que se certo companheiro por nome Josué ainda estivesse com eles, não haveria mais problemas — teriam sido prontamente resolvidos, mas infelizmente ele seguira outros rumos... Estavam agora diante de um quebra-cabeças terrível. Todo o quadro estava já armado, mas sobrava-lhes nas mãos uma peça crítica, a última, que não havia como encaixar para completar a obra. Por mais que a virassem e revirassem, que tentassem todos os recursos, a pecinha teimosa recusava-se a adaptar-se.
Essa colorida linguagem simbólica, que com tanta imaginação e frequência empregam, queria dizer simplesmente que não estavam conseguindo envolver nos seus tenebrosos esquemas determinada pessoa-chave que rejeitava todos os tipos de abordagem: ameaças, ofertas, engodos, posições, tudo. O Grupo que ele dirigia estava, pois, algo aturdido e os seus chefes exigiam ação rápida, eficaz e radical. Urgia tomar determinadas providências para as quais havia um curto prazo fatal.
No entanto, ele não fora a melhor escolha para a missão, porque justamente ali, naquele grupo renitente e impertinente, fora encontrar, à sua espera, muito sereno e amável, o companheiro de outras eras a quem, inclusive, disse ele, devia um favor pessoal.
Neste ponto ele deixou de falar no assunto que o trazia a nós, para voltar ao tema obsessivo do seu próprio desconcerto ali, naquela noite, precisamente por causa do reencontro. Ao identificá-lo, teve o primeiro choque, mas resolveu seguir em frente. Conversaram amistosamente — tudo isso, lembre-se o leitor, no mundo espiritual, momentos antes do início da sessão. Nosso companheiro ouviu-o pacientemente, amorosamente, segundo o seu jeito muito característico e o irmão que chegava ficou como que fixado na serenidade imperturbável daqueles olhos. Descreveu-os como um lago tranqüilo e profundo.
— Há muito tempo — disse-nos ele — que eu não olhava para um espelho. E ante aquele espelho me vi completamente vazio...
Acrescentou que levara “um choque ao contrário”, explicando que o choque em vez de o estimular, revigorar, provocou nele um “esfriamento” interior. Compreendia, afinal, porque chamavam o Cristo de Cordeiro. Aqueles olhos tinham a serenidade e a paz que existem no olhar de um manso cordeiro.
Após essa confissão, retomou o assunto que o trouxera a nós, embora voltasse, aqui e ali, a referir-se ao reencontro com o antigo companheiro. Estava indiscutivelmente desconcertado. Comandava, porém, “uma brigada” no mundo espiritual. Tinha, pois, autoridade, conhecimento e valor; o problema é que o tal “choque” fizera-o “entrar numa frequência diferente”.
Segundo o plano que havia elaborado, iria fazer o rude papel do truculento e, literalmente, “virar a mesa”. Via agora que não tinha mais condições para isso. Por outro lado, discussão filosófica de nada adiantaria; já havia sido tentada, sem resultado, inúmeras vezes. Que fazer?
Resolveu “abrir o jogo”. Essa história de “Cristo e Evangelho é coisa ultrapassada”. Evangelho era, atualmente, assunto para os bastidores, para a retaguarda; a palavra do dia era ciência, que deveria ser colocada na vanguarda. Aliás, “se já temos o Consolador, para que o Cristo?” A moral do Cristo estava bem para aquela época, aquelas mentalidades mais primitivas, limitadas e medrosas. Agora não. Além do mais, o Evangelho escraviza e paralisa as pessoas com a sua insistência nos aspectos “passivos” da personalidade humana, como “humildade, servilismo, covardia”. O homem tem que ter confiança em si mesmo, levantar a cabeça e ir em frente, cheio de vigor. Isto sim!
O assunto que vinha especificamente tratar conosco não podemos aqui revelar, mas esse era o tom geral da sua personalidade e os destaques da sua filosofia de vida e de ação. Não foi necessário aplicar-lhe o habitual processo de regressão de memória, pois o reencontro com o seu antigo companheiro levou-o de volta, num segundo, ao seu passado remoto, saltando por cima de bloqueios habilmente preparados. Vieram à tona da memória todos os detritos que se revolviam confusamente nas profundidades do seu ser, apesar da “lavagem cerebral” a que confessa ter-se submetido espontaneamente.
O que se segue é a transcrição do diálogo depois do que ficou acima resumido. A palavra inicial é dele.
— Não vou te contar o que eu mesmo não sei mais. Eu me desliguei disso tudo. Meu amigo, também passei por uma programação, porque quando cheguei lá tinha o cérebro tão em fogo que me quis submeter. Eu quis!
— Por isso que digo que você está em fuga. Você não aguentou mais aquelas lembranças. Por quê?
— Pois é. Você deve ser um super-homem. Você aguenta tudo!
— Não. Não é verdade, mas se a gente não enfrentar os erros, como é que vamos corrigi-los? Esquecê-los, como se não existissem mais?
Ele se queixara, pouco antes, de ter sido traído e o doutrinador procura lembrar-lhe que ele também traiu alguém anteriormente. Ele deseja, então, saber que traição teria cometido Jesus para ser traído por Judas... com essa pergunta artificiosa e artificial, confirma o seu desrespeito ao Cristo, sua ogeriza à Sua doutrina e uma fixação negativa nesse ponto crítico, que é preciso esclarecer. Prosseguimos pacientemente. Ele continua a negar que tenha qualquer rancor do Cristo.
— Tenho outro programa na mente... Não adianta você usar esses recursos, porque só vai obter esse programa que tem aí.
— Pois é, mas você precisa de outro, porque esse aí não te conduziu a nada.
— Olha, meu amigo. Você quer que eu te fale uma grande verdade, com a maior
sinceridade? No fundo, não acredito em nada disso, não aceito nada disso, mas preciso de um trabalho, preciso de ação. Então, vou fazendo e vou fazendo, porque isso tudo é bobagem: o Cristo ou qualquer outro, qualquer outra palavra, qualquer outra religião, tudo, no fundo, é a mesma coisa. Em que isso modifica ou melhora alguém? Pronto! Falei. Está satisfeito de ouvir? A minha verdadeira posição é essa. Desencanto total.
— Sim, mas como você justifica, explica e entende o seu desencanto pelo Cristo?
— Por tudo, não é só pelo Cristo. Até por essa imortalidade infeliz, miserável, de que não posso nem fugir! Quantas vezes já quis acabar, deixar de ser, de pensar, para ser uma pedra, uma qualquer coisa... Mas você não pode destruir a si mesmo. Você não consegue. Até isso! É uma imposição. Nunca quis ser eterno! É uma imposição!
— Sei. Então você não concorda com Deus também?
Pausa. É como se não tivesse ouvido a pergunta:
— Que lucro eu com isso? Que lucro eu em ser imortal? A não ser perseguido por pensamentos. E você faz, você se movimenta e... dia e noite ser.
— E o remorso está lá.
— De que me vale a imortalidade, se não posso lucrar, gozar com ela?
— Pode sim, meu amigo. Desde que você mude a sua orientação.
— Não. Não pode, meu caro. É uma imposição: ou você fica aqui ou volta para um corpo; você sai do corpo ou fica aqui, ou volta. Não tem saída. É isso!
— Tem sim. Como é que o nosso irmão, teu amigo, encontrou a saída para a paz?
— Que saída? Isso tudo é uma loucura!
— Ele não tem a paz?
— Isso é a sua palavra que me está dizendo.
— Não. Você é que me disse, não eu.
— A imortalidade é um peso. Louco do homem... Há tanto homem que quer ser imortal, aí mesmo... Que quer ficar a vida inteira! Se pudesse, não morria. Não sabe que quando morre é muito pior! Ser imortal é isso: é carregar um peso... É encontrar pessoas que você pensava que perdera de vista há séculos. É isso que é a imortalidade. Quantas vezes quis tomar um narcótico, algo que me fizesse esquecer, que me fizesse morrer, perder o senso... (Não tem mais fôlego para deblaterar e para um pouco para respirar. Seu desespero é algo comovente, doloroso, aflitivo). — A pior coisa é você ter uma mente que não morre — prossegue depois.
— Não, a pior coisa é você usar a sua mente de maneira errada.
— O seu corpo morre e a mente fica. Você pode estar morto do lado de cá, como às vezes me sinto, mas a sua mente está ali, vibrando, pulsando e você não foge dela, você não se livra dela! (A voz baixa de tom e se apresenta chorosa:) Escuta o que estou te dizendo: você nunca se livra de si mesmo! A gente pensa que... a gente se engana, todos nós. Pensamos que somos grandes, que vamos conquistar o mundo, que vamos ficar por cima, que vamos ficar no alto da torre e todo mundo embaixo, ajoelhando-se porque somos grandes! A gente não sabe que isso não adianta nada. Nada! Um dia a gente morre e vê que não conquistou nada. Queremos ficar conquistando e um dia queremos apenas deixar de ser! Quantas vezes eu quis deixar de ser... Quantas vezes pedi a “eles” (seus chefes) “Deem-me um remédio! Quero não ser!” “Fraco, você é fraco”. Era isso que eles me diziam. Que fez o Cristo por mim? Cadê a paz que ele me prometeu? Cadê? Onde está Ele? Deve estar no seu sétimo céu, não sei que céu... Deve estar lá, não é? Deve ser muito feliz...
— Deve ser, não, Ele é. Mas Ele disse, também, que “os homens querem a paz, mas não buscam as coisas que trazem a paz”. Você a buscou alguma vez? Você procurou apenas a guerra, o conflito, a luta, a vaidade, a paixão. Como é que você quer, em troca, a paz?
— Meu amigo, tive tantas experiências, busquei tanto... Busquei... Não sei o que busquei! Era difícil. Meu amigo, sempre fui um homem, só um homem... Só. Todas as minhas experiências...
— Sei. Falharam. E você está induzindo outros nos mesmos erros, assumindo as suas responsabilidades e uma parte das alheias? Você não percebe que está se complicando cada vez mais, em vez de se libertar? Por que você transfere a culpa das suas faltas ao Cristo? Se você está aqui, hoje, conversando conosco é porque Ele permitiu que você chegasse até nós e que nós chegássemos até você. Não estamos aqui para te condenar, para te censurar, para te julgar, e sim para estender a mão a você, dar uma oportunidade ao seu Espírito. Você falava há pouco dos tempos que são chegados. É verdade. E há tempo ainda de você fazer alguma coisa pelo seu Espírito. Não se atire de cabeça para baixo na escuridão das trevas...
— É tudo ilusão, meu amigo. Diz prá ele aí que é tudo ilusão!
— Escute: você acha que o nosso irmão aí está iludido?
— Não sei... não sei... (Volta a chorar). Batalhei meu amigo. Fui um daqueles que vocês dizem “da primeira hora”. Mas era tudo uma ilusão! Ele disse: “Ide e pregai!” e a gente saía pelo mundo e ninguém queria ouvir! Era só humilhação, repúdio, opróbrio e eu era apenas um homem! Opróbrio, humilhação, escárnio! Quantas vezes cuspiram na minha cara!
— Até na dEle cuspiram... Por que na sua não poderiam?
— Achei que Ele tinha falhado. Disse: “Ele falhou!” Pois Ele falhou mesmo. Por que nos mandou assim? Eu, às vezes, parava e me perguntava...
Não tem coragem de prosseguir; o pranto o sufoca, ele se perde em recordações.
— Meu querido — volta o doutrinador — não há razão para ficar desesperado. O chamado continua de pé, as portas continuam abertas para você. Fica conosco uma vez mais...
— Não, meu amigo. Não estou querendo me justificar. Saí daquela vida e voltei em outra em que disse: “Vou ser diferente. Não vou nem ser cristão. Não quero conhecer isso.” Fui para Roma, fui poderoso, vivi com os poderosos, fui rico, amei muito, mas não encontrei... (O choro mal o deixa falar, aos arrancos, palavra por palavra).
— Escute: você que teve o privilégio de receber do próprio Cristo o comando da pregação, o mandato do amor, lembre-se: o fato de você haver falhado, não quer dizer que tenha que falhar o resto dos tempos. Você pode recomeçar. Nossos corações estão abertos para você. Venha conosco por algum tempo...
— Meu amigo: eu só queria que você me dissesse uma coisa. Onde está a sinceridade? A honestidade?... Passei por todos os lugares. Estive em Igrejas de várias denominações. Estive com ele — com aquele amigo que esteve aqui... (Refere-se ao companheiro dele que na semana anterior o grupo havia recolhido, grande pregador da Igreja Anglicana).
— Pois é, meu querido, mas você sempre usou as Igrejas como fonte de poder e projeção, não como fontes de amor. Quando Ele disse a você “Ide e pregai!”, a você e aos demais companheiros que estavam lá, não foi para sair conquistando posições, e sim para levar a mensagem do amor. E você que teve esse privilégio, acha que Ele te recusou? Ele que é culpado das suas dificuldades?
— Muitos ouviram, meu amigo. Muitos. Você pensa que Ele disse isso para um grupinho seleto, ali, separado?
— Aqui conosco já estiveram outros companheiros que falharam. Nós também falhamos.
— Mas me diga, então, onde está o sentido da vida? O sentido disso tudo? Quando cheguei e me vi naqueles olhos, de repente me vi tão vazio... sem nada, sem nada... Mas onde está o sentido, a consistência das coisas, a substância?
— Você sabe. Está no amor, está no Evangelho, está na busca da paz.
— Estive dentro do Espiritismo. E você pensa que encontrei lá honestidade, sinceridade? Não. Você também não encontra!
— Mas isso quer dizer que não há ninguém honesto, nem sincero? É o Espiritismo o culpado, é o Cristo o culpado de nossas fraquezas? A gente encontra aquilo que busca, não é, meu filho? Você não quer assumir a responsabilidade que cabe ao seu Espírito para começar uma nova trajetória?
— Um dia, na França — recomeça ele, ainda em pranto — eu estava tão desesperado, sem saber para que lado ficar, sem saber para quem apelar, cada vez mais confuso, porque se brigava pelo Cristo, uns contra, outros a favor... Mas, se era o mesmo Cristo, se era o mesmo Deus, que diferença fazia? Fiquei tão desesperado um dia (hesita), que cortei minha própria garganta... Cortei, porque pensei que ia morrer.
O doutrinador o convida a ficar com os nossos Amigos Espirituais, descansar e pôr em ordem as idéias. Ele, porém, parece não ouvir. Retoma o fio das recordações:
— Ah! meu amigo. Mais de uma vez tive a minha família arrasada, destruída. Tanta coisa...
— Meu irmão, não estou propondo a você ficar rememorando as tragédias em que fomos corrigidos pela Lei e não aceitamos a correção. Vamos buscar um pouco de paz dentro de nós mesmos. Todos somos capazes de encontrá-la em nós. Você tem também amores, tem outras esperanças que não são essas.
— Mas não sei onde está! Não é lá que está! Não é nos amores, não é na família. Não... Eu sei... Porque está NELE!... (Rompe-se, afinal, o dique represado há quase dois mil anos). Está NELE.. . Mas não posso conquistá-lo. Não posso! Eu me perdi!
— Não, meu amigo. Você pode, Ele está em você. Você que conheceu a mensagem em primeira mão, que bebeu a água pura na fonte, tem toda ela no coração.
Ele chora como uma criança perdida:
— Sou apenas uma criatura e uma criatura que sofre e que não encontra... Tenho olhos e sou cego, porque vejo mas continuo cego, meu amigo. Vejo aquilo...
— Como eu dizia há pouco, você precisa perdoar-se a si mesmo, para que o arrependimento seja construtivo.
— Meu amigo, quero dar um grito e ouvir um eco responder... (A terrível necessidade de amigos, pois vive entre muitos companheiros de desatinos, mas não tem amigos verdadeiros; só interesses que se somam ou se chocam).
— Mas você não me respondeu ainda, se vai dar-nos a oportunidade de o servir.
— Servir?
— Sim, nós te queremos servir.
— Mas, sou eu quem deve servir.
— Antes você precisa de ajuda. Depois você vai ajudar. Aceita a nossa ajuda.
— Meu amigo, quero sair desta confusão. Quero descansar esta mente em fogo. (E, por fim, em voz baixa, quase num murmúrio:) Eu quero Jesus! Mas não sei como procura-lo... É por isso que eu te disse, é por isso que lutava. As religiões nunca me mostraram. Então, que diferença fazem elas?
— Meu querido, você está pensando em termos de dogmatismo e nós estamos te
mostrando o caminho do Evangelho, do amor. Esquece as religiões. Vem conosco. Nosso companheiro vai te levar. Muito obrigado pela sua veemente e dramática confissão. Aceite o nosso respeito muito profundo pela coragem que você teve aqui hoje. Vai com o nosso irmão. Vai em paz, repousa um pouco. Depois voltaremos a conversar. Está bem?
— Houve uma época em que fui feliz. Eu era jovem, pobre e gostava tanto dos passarinhos, dos cães, dos gatos... dos animais. Eles nunca me traíram. Os homens, sim.
— Não. Você está fixado numa doutrina que é falsa. O que acontece conosco é uma resposta àquilo que fizemos. Você sabe disso. Você acabou de dizer que os que buscam a pompa não sabem o que os aguarda. Portanto, as traições que você sofreu foram provocadas por você mesmo. Aceite-as para que você possa começar a buscar o outro caminho, o caminho da volta. Nós estamos aqui. Nunca deixamos de estar, com as nossas falhas, nossas imperfeições, mas tentando seguir Aquele que é o nosso Mestre.
— Escute, meu amigo. É a última coisa que te falo nesta noite. Para quem não tem uma consciência tranqüila, a vida é um inferno, é uma verdadeira fuga.
— É, mas agora você não vai fugir mais. Vai conquistar a sua tranqüilidade de consciência através do trabalho da regeneração. Não vai ser fácil — você sabe muito bem, mas você terá todo o apoio daqueles que o amam.
— Onde quer que você se esconda o inimigo está ali...
— É, porque está dentro de nós mesmos. Vá, agora, em paz!
Esse foi, assim, um daqueles que, depois de colocar as mãos no arado, olhou para trás e recuou. Não sejamos muito rigorosos com ele. Não foi o único que falhou. Afinal, como ele afirma, era apenas um homem, uma criatura que sofre. O impulso generoso de servir ali estava, bem como o desejo de proclamar por toda a parte a sabedoria intemporal daquela extraordinária personalidade de quem recebeu o mandato do amor, mas os testemunhos estiveram acima das suas pobres forças humanas. A humilhação, a incompreensão, o repúdio e, por fim, o desencanto consigo mesmo, a decepção, a fuga, a revolta, o desvario.
No fundo, porém a constante daquela consciência atormentada e o chamado permanente do Cristo a falar da distância dos milênios: “Ide e pregai!” Ele quis servir desde a primeira hora e foi fraco ante a adversidade dos testemunhos que a tarefa exigia. Quis servir depois, buscando o Cristo por toda a parte, mas não podia deixar de ver, também, o interesse pessoal, a desonestidade aberta, a falsidade, e até a opressão, em nome de Jesus.
Nessa procura, se perdeu, mas a vida continuava, os pensamentos lá estavam, e mesmo a “lavagem cerebral” a que se submeteu voluntariamente, foi apenas um paliativo para permitir que ele mergulhasse no atordoamento da atividade, qualquer atividade, mesmo que não acreditasse nela, contanto que o fizesse esquecer-se de si mesmo. Talvez, se pudesse apagar o Cristo do coração dos homens, faria calar a voz que o chamava ao cumprimento do dever para consigo mesmo. Talvez... A essa altura, não sabia mais, nem esperava mais nada, senão aturdir-se para esquecer que perdera séculos e séculos na busca inútil.
Depois de tantos desatinos, foi encontrar a sua imagem vazia e patética no reflexo do olhar pacificado de um daqueles companheiros de antanho que, tomando junto com ele o arado, não voltou a cabeça para trás e seguiu em frente. Em algum ponto do caminho, Jesus promoveria o reencontro com o amigo, com o passado, com a paz, com a fé, com o amor.