Ensinamentos Esotericos - O MILAGRE QUE NÃO HOUVE – Hermínio Miranda


 (o doutrinador conversa com o espírito incorporado no médium)

O caso deste companheiro se reveste de características bem especiais, como veremos, a começar pelas suas ligações anteriores com dois dos componentes do nosso grupo. Não é, pois, uma conversa entre estranhos, nem traz ele, de início, aquela explosão de agressividade e de irritação a que nos habituamos, em razão da própria natureza do nosso trabalho que interfere com seus planos, contesta suas idéias, obriga-os a adaptações e, acima de tudo, retira trabalhadores que exercem tarefas críticas dentro do planejamento geral.

Ele, não. Chegou calmo, razoável, apenas preocupado em isentar-se de culpa no ”que havia acontecido”. Nosso grupo passara por uma pressão maior por parte daqueles que procuravam intimidar-nos com o objetivo de levar-nos a abandonar o trabalho. Dizia ele, honestamente, que não pudera omitir-se totalmente, o que é compreensível, pois fazia parte de um grupo e juntos tomavam as deliberações. Não sabia até que ponto o companheiro que havíamos recolhido na semana anterior revelara a sua participação no esquema que haviam montado contra nós.

Por outro lado, captara o que chamava de “emissões mentais” do doutrinador, durante a semana, nas suas meditações. Segundo ele, o doutrinador chegara a conclusões bastante objetivas, identificando certas ligações anteriores. Ao que se depreende das suas evasivas e da dificuldade que estava encontrando em relatar sua posição no caso, o famigerado esquema incluía certas pressões sobre a médium, pela importância da sua contribuição ao grupo. Eles sabiam muito bem que sem ela nosso trabalho estaria praticamente neutralizado.

Nossa impressão foi a de que ele pediu aos seus companheiros uma oportunidade de negociar conosco, antes de desencadear uma ação mais drástica contra nós. Um bom sinal, aliás, que evidenciava nele inegável capacidade afetiva, decência e lealdade, a despeito de todas as suas possíveis dissonâncias espirituais. Ele próprio se reconhecia como tal, avaliando com bastante realismo a sua psicologia. Dizia ter defeitos, mas assegurava ter sempre agido com cavalheirismo. ”Afinal de contas — dizia — somos civilizados”.

A questão, para ele, se colocava da seguinte maneira: nosso trabalho “não era bem visto”. Poderíamos continuar com o grupo, desde que introduzíssemos modificações em nossa linha de ação. Se a tarefa que lhe fora atribuída junto de nós alcançasse o êxito que esperavam, ele teria certas compensações que muito lhe interessavam. No entanto, lembranças agradáveis de um passado em que nos incluíamos, fizeram-no hesitar e recuar. Estava tentando, pois, a solução do entendimento, da negociação pessoal e amistosa. Sem desejar dar-nos conselho, propunha o abandono puro e simples da nossa tarefa. Tinha muita experiência da vida e era de opinião que certos sacrifícios e renúncias não compensam. De volta ao mundo espiritual, na revisão inevitável de nossos atos, haveríamos de lamentar o tempo perdido e ficar com frustração de não ter “aproveitado a vida”.

Deixou entrever que admitia, como o doutrinador lhe dissera, estar “dando voltas” para chegar a Deus, mas que importância tinha isso? Não vamos todos para Ele?

— Vamos — disse o doutrinador —, mas por que passar pelos pântanos?

Fez então uma longa digressão sobre o Cristo, tentando demonstrar que Ele também fora pelos pântanos, com seus sofrimentos, suas lutas, suas decepções e as asperezas todas daquela existência rude que levou.

— Uns vão pelos pântanos — disse ele — outros pelas estrelas... Mas, que diferença faz?

O Cristo, na sua opinião, fora pelos pântanos, com o que o doutrinador não podia concordar. As dificuldades que o Mestre enfrentou entre nós não eram um desvio no seu roteiro evolutivo, como o Espírito manifestante parecia crer. Por isso, o doutrinador lhe respondeu:

— O Cristo, meu caro, passa pelos pântanos, ilumina a lama e não suja os pés...

Mas ele trazia várias alternativas. Poderíamos, por exemplo, substituir o nosso médium por outro, pois havia muitos em melhores condições e desejosos de servir à causa do amor e da verdade. Nesse tom prosseguiu o debate durante cerca de uma hora. Houve tempo para ele revelar a si mesmo, com bastante nitidez e franqueza, bem como inesperado conhecimento da psicologia do doutrinador, embora vendo-o através de certas deformações pessoais. Na sua opinião, o doutrinador era exageradamente emocional, arrebatado mesmo e muito místico na sua fixação no Evangelho. Quanto a ele, não. Era cristão, naturalmente, mas não um místico.

Pregava o que chamou de “Cristianismo funcional”, ou seja, pragmático, totalmente desprovido de misticismo. O Cristo, a seu ver, fora um homem de ação, usara o amor-energia, ao curar os infelizes que lhe pediam socorro. “Levanta-te, toma o teu catre e anda”, ordenara ao paralítico. “Eu quero! Cure-se”, disse ao leproso. Assim é que se age! Nosso conceito de carma era outra enormidade. Nada disso de ficar preso ao passado, com sentimento de culpa, inibido a perder tempo. Era preciso dinamizar o carma.

O doutrinador começou por aí a tarefa de levá-lo à regressão. “Onde foi e como foi que você concluiu que precisava dinamizar o seu carma?” As primeiras lembranças que lhe ocorrem são ainda em estado de plena consciência e ele as relata com naturalidade. Acontece que o doutrinador conhece um pouco da sua história pessoal, durante o período em que, pertencendo à nobreza, ele fazia parte da corte de importante reinado da Europa. (O leitor há de perdoar-nos certas reticências aqui, pois é preciso preservar identidades). Envolveu-se lá em complicações e acabou sacrificado, numa execução que lhe cortou o fio da existência terrena.

Diz ele, agora, que poderia ter reagido de outra maneira para salvar a vida e, para isso, dispunha de meios, mas o que passou, passou. Daqui por diante, reproduzimos o diálogo, tal como está nas gravações. Referimo-nos primeiro ao relacionamento que ele e a médium tiveram naquela época, que ele diz ter sido “muito bom”. Em seguida, o doutrinador prossegue:

— Além dessa experiência, onde mais você a conheceu?

— Eu a conheci num outro tempo de que não me lembro. Engraçado. Parecia ser... Agora, você falando, me projetou uma cena... Interessante... Sim, devo conhecê-la de lá... mas ela era muito voluntariosa. Ela sempre foi muito voluntariosa.

— Onde foi isso? De lá, onde?

— Não sei. De lá, num passado qualquer aí. Você não está falando em passado? Tenho um carinho por ela muito grande. Ela me foi uma irmã a quem eu devia proteger. (Pausa). Essas coisas devem ficar onde estão.

— Mas enquanto ficarem onde estão, meu querido, serão aquele catre que não queremos pegar para caminhar. Este é o seu catre, um deles, que você deixou no passado.

— Não. Você está supervalorizando as coisas. É o seu temperamento emocional. Você tem que ser mais frio diante das coisas.

— Como é mesmo aquela história? Ela foi sua irmã, filha do mesmo pai e da mesma mãe? Onde foi isso?

— É, irmã mesmo. Não sei onde foi. Deve haver muito tempo. Vi a imagem, mas não sei. Só sei que eu parecia ser o chefe de um grupo qualquer. Acho que era a minha própria família.

— Ah! sim, você é que era o filho mais velho?

— Era. O pai morreu e ela era a irmã menor. Não sei o que aconteceu. Isso não vem ao caso. Não tem nada que ver. Que diferença faz?

— Você é um homem corajoso, experimentado. Não vai ter medo de lembrar-se de uma coisa dessas que faz bem ao seu espírito.

— Isso até que é uma lembrança agradável.

— E por que você não pode dizer, então?

— Não tenho nada a dizer. Não quero lembrar isso, como não quero lembrar outras coisas. Não, meu amigo. Você não vai prosseguir, não.

— Quer dizer que aí ficou um problema. Esse é um dos leitos que você não tomou. Você está paralisado aí. Vamos buscar outro, mais atrás.

— Você já foi árabe alguma vez na sua vida? - pergunta ele, de repente.

— Provavelmente.

— Eu acho que sim... (Pausa). Você, hein? Então era você, não é? Você... seu xeiquezinho... Você foi algum árabe? Então devia ser você. Teria que ser você... É melhor não procurar saber. Você é muito impressionado com o carma.

— Não. Tenho condições de assumir os meus erros, porque aprendi com o Cristo que é assumindo nossos erros que caminhamos. De modo que não tenho receio. Pode falar.

— Não tenho nada a falar, meu caro. Deveria ser você.

— Que você fez, então?

— Nada. O passado está enterrado.

Supomos que o antigo xeique tenha tomado a jovem como esposa contra a vontade do irmão mais velho, mas ficamos sem saber da história. O doutrinador não julga conveniente pressionar para conhecer o fato, que não lhe parece relevante no contexto que estamos examinando. O que nos interessa conhecer, no momento, é a razão profunda da sua aversão ao Cristo, muito embora fantasiada de fidelidade ao Mestre, sob a forma de “Cristianismo funcional”.

Ele se diz cristão e está aparentemente convicto de que trabalha pela divulgação da verdade. Sabemos, no entanto, que atrás disso tudo escondem-se fantasmas terríveis do passado e que precisam ser trazidos à luz do consciente para que se veja que são apenas fantasmas e que, não obstante, precisam de ser enfrentados num corpo-a-corpo entre a Verdade e as nossas fantasias, ilusões e automistificações.

— Por que você se lembra do passado, então?

— Nada. Você provocou isso! (E depois): Isso não faz sentido, meu caro. É uma invenção qualquer daí da minha cabeça.

— Ah! não convém que faça, não é?

— Não faz. Você pode estar sendo vítima de uma mistificação. Sabe disso?

— Posso, é claro. De você mesmo? Você próprio está se mistificando?

— Uma mistificação do ambiente, do seu instrumento... Qualquer mente pode engendrar uma coisa assim.

— Bem. Esse episódio ficou aí sem resolver. Está ainda aí dentro de você. Então você não dinamizou este carma. Vamos buscar outro. Mais para trás.

Começa a bocejar e isso o embaraça sobremaneira, por ferir a etiqueta da alta sociedade que freqüentou em tempos outros.

— Você me está provocando uma descortesia. Estar falando e bocejando. Isso é horrível. Falta de boas maneiras.

Embora diga que não tem passado, logo a seguir declara:

— Esta areia quente continua incomodando-me os pés. Uma areia quente, muito quente... Que estou fazendo? Estou caminhando... Preciso chegar a tempo para as preces vespertinas na cidade santa (Meca).

— E você tem alguém com você?

— Não. Estou sozinho.

— Quem é você?  

— Quem sou eu? Ora, isso não tem importância... Ali-Ben-Assuf... Preciso fazer as preces...

— Você tem irmãos e irmãs?

— Tenho uma família.

— É essa a existência na qual você teve a nossa médium como irmã?

— Não sei.

— Por que você está colocado nessa situação? Qual é o fato dessa vida que interessa a você conhecer?

— A fé.

Essa resposta é extremamente reveladora. O problema fundamental deste espírito é a dificuldade em crer, em fazer da fé religiosa o componente emocional da existência, o roteiro evolutivo, a maneira de viver consigo mesmo e com o próximo. Vimos como há pouco argumentava elegantemente contra o que chama de “misticismo”. Queria um Cristianismo pragmático, funcional... No seu trabalho, procurava antes o raciocínio, a firmeza calculada dos silogismos e a ginástica mental, do que uma ética para a vida. Enfim, um processo de fuga, como outro qualquer. Tal atitude vinha de muito longe, como ainda veremos a seguir.

Naquela existência, porém, no mundo árabe, foi-lhe dada a oportunidade de uma vivência com o Islã, religião concebida como indiscutível manifestação de submissão à vontade de Deus e, portanto, estruturada na fé inquestionável. (Islã quer dizer submissão). Vimos o seu empenho e sua preocupação em chegar a tempo para as preces em Meca, enquanto percorria as areias escaldantes do deserto. O Corão prescreve não apenas normas de culto, mas de procedimento, de relacionamento humano, de vida, enfim. Allah é o Deus supremo e único e Maomé o seu profeta.

Nosso irmão teve nesse contexto a oportunidade de incorporar a fé às estruturas do seu pensamento, do seu espírito. Prossigamos.

— E você não conseguiu? O Profeta era um homem de fé. Cometeu seus enganos, mas ele cria. Você o conheceu?

— Sou muito feliz... O Profeta? Sim, mas eu era moço, rico e bonito.

— E o que aconteceu?

A lembrança é evidentemente muito penosa, porque ele resmunga e hesita.

— Por favor — diz o doutrinador — não perca a oportunidade de ir ao passado buscar as razões das suas fugas presentes e as razões pelas quais você está adiando o seu encontro com a verdade.

— Ninguém se deve entregar à fé, porque os homens são maus.

Mais um raciocínio de fuga e de desculpismo. Era preciso, pois, ir mais longe no seu passado para localizar o motivo pelo qual ele tivera necessidade da experiência com a fé em pleno desabrochar do Islã.

— Naqueles séculos todos, desde a passagem do Cristo, você nunca conseguiu ter fé?

— Cristo?

— No tempo de Jesus, o que você fazia? Onde estava? Quem você era?

— Eu precisava de um herói. O Cristo nunca foi um herói. Era um fracassado. Eu era um mercador de vinhos.

— Você era judeu também? Romano?

— Não.

— O que aconteceu? Você o viu pregando? Você foi em busca dos ensinamentos d’Ele?

— Não sei. Tudo está tão confuso...

— O que aconteceu lá, que você não acreditou n’Ele?

— Porque Ele era fraco. Ele recusou meu filho. Recusou as oferendas que meu filho levou.

— Oferendas de que? Dinheiro?

— Dinheiro, prestígio...

— E por que você mandou fazer as oferendas?

— Porque queríamos um milagre. As vinhas, naquele ano, não produziram. Uma praga... e nós queríamos que Ele fizesse um milagre...

— E o que foi que Ele disse?

— Ele disse ao meu filho qualquer coisa como deixar os bens da Terra, procurar a vinha do Senhor... Qualquer coisa assim. Aquilo foi uma ofensa! Ele fazia tantos milagres! O que custava fazer aquele? Encher os barris...

— Você só viu n’Ele uma pessoa que podia dar mais - algum dinheiro a você?

— Que mais Ele era?

— Você queria, então, comprar um milagre...

— Por que não? Comprava-se tudo em Israel.

— E você, de onde era?

— Chipre. Por que Ele não foi? Que custava a Ele?

— Meu querido, você quis comprá-lo, não é verdade?

— Um Nazareno qualquer...

— A lição você não aprendeu, não é, meu caro? Até hoje você O detesta porque certa vez Ele não quis encher, com um ”milagre”, os seus barris vazios...

Eis a história de um pobre Espírito em busca da fé. Teve a maravilhosa oportunidade de ser contemporâneo de Jesus, embora tenha nascido, não em Israel, mas em Chipre. E o que pede ao Mestre? Não tinha aflições materiais, nem males físicos. Não precisou pedir a cura de uma filha ou da esposa. Nada quer, senão, que Jesus produza milagrosamente um bom vinho para os seus toneis, anulando os efeitos de uma safra eliminada pela praga.

Acreditava, portanto, embora à sua maneira, na força de Jesus, mas subestimou lamentavelmente a ética do Mestre e pensou que poderia comprá-lo como tantas coisas e gentes estava habituado a comprar. Jesus devolveu-lhe o filho, o preço do suborno e o exortou a buscar a Vinha do Senhor e não aquela que as pragas consumiam num ano adverso. Em vez de absorver a lição, tomou-a como um insulto pessoal, uma humilhação. Não era ele um rico mercador de vinhos? E quem era aquele mísero Nazareno que lhe recusava um serviço pelo qual ele estava pagando bom preço?

Se o tivesse atendido, o Cristo seria, a seu ver, um herói e ele pensava precisar de um herói para crer. Ainda não compreendera, quase vinte séculos depois, que, na hipótese absurda de ter Jesus aceitado a sua oferta e se transformado aos seus olhos num herói eventual e transitório, ele também não o aceitaria. “Quem? Aquele mísero Nazareno de quem um dia eu comprei um milagre?” — diria certamente. O problema não era, pois, o Cristo, mas a sua posição ante o Cristo.

Por isso, todo um rosário multissecular de transviamentos e de estranhas filosofias para justificar uma posição insustentável em si mesma, mas que, pelo menos, o justificava perante sua consciência desarvorada. Tentou outros caminhos e falhou sempre. Nos últimos tempos, (desde quando?) no mundo espiritual, na condição de desencarnado, engajou-se na tarefa ingrata de alistar-se nas fileiras dos que desejam apagar o Cristo do coração dos homens. Falava em nome d’Ele e pregava doutrinas que a muitos, infelizmente, parecem cristãs, mas que trazem terríveis deformações e venenos sutis.

Fracassados de outros cometimentos, desejam uma vez mais utilizar-se do nome do Cristo para se apossarem de qualquer fatia de poder que lhes esteja ao alcance das mãos ávidas e das mentes desgovernadas. Serão seres desprezíveis, dignos apenas de santo horror ou, no máximo, de nossa compaixão? Absolutamente. São irmãos em penosíssimo estado de angústia, a esconderem-se desesperados atrás de ardis, de artifícios, de meias-verdades, porque julgam não estar ainda preparados para o encontro face-a-face com a sua própria realidade interior. Estão em fuga de si mesmos, e por isso é tão dramático e arrasador o momento da verdade, quando levados caridosamente e com o máximo respeito ao confronto com os seus núcleos de dor.

Fonte: http://ensinamentos-esotericos.blogspot.com/

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