Ensinamentos Esotericos - A ESCRAVA JUDIA – Hermínio Miranda


  (O espírito sofredor, levado inconscientemente pelo Espírito Guia ao centro espírita, dialoga com o doutrinador.)

Este companheiro apresentou-se com uma técnica diferente. Não de todo desconhecida, mas não muito comum. Sua palavra era doce, untuosa, tranqüila. Saudou o grupo mediúnico com muito carinho e respeito, prevendo uma ”noite de realizações em nome de Jesus, nosso bom e amado Mestre”. Elogiou as palavras iniciais do nosso Orientador Espiritual. Filosofou longamente e com excelente retórica, em frases bem torneadas e fluentes. Via logo que se tratava de um grupo ”amoroso e dedicado ao bem servir com autenticidade e desprendimento”. Não estaria ali, porventura, uma oportunidade para ele servir modestamente, dentro de seus recursos? Como sabíamos, há companheiros que ”só o verbo sai da boca, mas não vem do coração”. Quanto aos trabalhadores como ele, eram quase sempre mal interpretados ou aceitos sem análise. Viera, pois, atraído pela sinceridade do nosso Grupo e pelo verdadeiro sentido cristão de servir, que seria o nosso. Não era ele, evidentemente, um Espírito necessitado, como podíamos ver, mas um daqueles que tem o que dar em favor da humanidade sofredora.

Tratamo-lo com o nosso respeito habitual, dialogando serenamente com ele. No decorrer da palestra amistosa, não foi difícil descobrir onde, como e junto de quem atuava, com a ajuda de uma brilhante inteligência, de muita cultura e experiência, a serviço de prodigiosas ambições. Como outros companheiros em tal situação, tentou convencer-nos, sem o mínimo êxito, de que, como Espírito que era, não pretendia nada para si mesmo. Para quê? Trabalhava apenas pelo bem da humanidade, pela divulgação da verdade, do amor, da justiça.

Sempre muito hábil, maneiroso e inteligente, expôs com maior objetividade a sua filosofia de trabalho, no momento em que julgou oportuno. Até então, o doutrinador se limitara a ouvir pacientemente, colocando uma ou outra observação respeitosa. Achava ele que em termos de Evangelho já tem o homem o suficiente. A mensagem do Cristo já teria chegado ao coração de todos. O doutrinador, por exemplo. Era um modelo de virtudes cristãs. Era preciso, agora, desenvolver os aspectos científicos que serviriam como ponto de apoio à Doutrina ensinada em ”O Livro dos Espíritos”.

Quando as nossas divergências começaram a tomar vulto — pois nestes casos é preciso deixar o Espírito falar para que tenhamos ideia do que o traz a nós e quais as suas motivações —, ele se tomou algo impaciente e daí foi à irritação e, finalmente, às ameaças. Chegara, pois, o momento do debate mais vivo, em que a contestação começava a ser apresentada. Era preciso que ele compreendesse que o aceitávamos como irmão, com todo o afeto de nosso coração, mas que discordávamos fundamentalmente das suas ideias.

Mais adiante, alcançamos afinal a terceira etapa do trabalho: aquela que consiste em levar o Espírito com doçura, mas também com firmeza, a olhar dentro de si mesmo. Como era de prever-se, não foi fácil alcançar a regressão de memória. Ele era muito experimentado nos problemas da mente e estava em guarda

contra os nossos métodos de indução magnética. Quando sentiu que estava afrouxando suas resistências, declarou que o doutrinador nada encontraria nas suas memórias passadas, porque. .. é aqui que começa a parte do diálogo reproduzida neste capítulo. Com a palavra o Espírito manifestante:

 Foram varridas. .. Nós nos preparamos para esta tarefa. (Dissera antes que essa preparação consistia no que chamou de ”lavagem cerebral”).

 Para esquecer?

 Para não deixar que nos perturbemos com coisas desagradáveis.

O doutrinador lhe diz que não apenas as lembranças desagradáveis lá estão nos registros indeléveis do ser, mas também as agradáveis, o bem, o benefício feito, o amor, as esperanças, os seres que amamos. Há uma pausa e ele diz um nome, provavelmente a palavra-código do seu arquivo que ele julgava ”desintegrado” para sempre.

 Ruth...

 Quem é Ruth?

 É uma moça. . . uma judia. Essa raça maldita!

 E você, quem é?

 Não sabe? Quem você acha que eu sou? Você olha para mim e me pergunta quem é você? Que falta de respeito é essa?

 Você diz que ela é da raça maldita. Então você não é judeu...

 Claro que não. Você não está vendo? Vê se eu cheiro mal como eles.

 De que raça você é então?

 Não me insulte com tal pergunta.

 Romano?

 Claro.

 E onde você vive?

 Onde eu vivo, senão na grande metrópole?

 E como você encontrou Ruth?

 Na casa do Tetrarca.

 Em Roma? - perguntou o doutrinador surpreso.

 Não, claro.

 E você gostou dela...

 Não se gosta de uma judia, a gente a utiliza.

 Mas o amor não tem barreiras raciais, não é? Você a amou?

— Não se ama a uma judia.

 Ah! você apenas se utilizou dela. Não a respeitou, então?

 Que é isso? Quem falou em respeito por um judeu?

 O judeu não precisa de respeito, então?

 Mas claro que não.

 E depois, o que aconteceu?

 Por que você está interessado em saber?

 Quero saber, meu caro, o que aconteceu com Ruth que, para mim, não é uma judia, é um ser humano, como você também é um ser humano. Não importam as posições sociais que eventualmente ocupemos — somos filhos de Deus.

 Eu fui ferido. Esses judeus estão sempre armando confusões, não é?

 Foi ferido na rua? Você é um militar? Que judeus eram esses? Eram cristãos?

 Quem se interessa pelo que esses judeus sejam?

 Você é amigo do Tetrarca?

 Claro.

 E de César também?

 Que perguntas absurdas você me faz! — grita ele impaciente. — Não me insulte! Com quem você pensa que está lidando?

 Quem é você, então? Se eu soubesse quem você é, poderia te chamar pelo nome. Estou te insultando?

 Claro que está. Claro. . . com todas essas perguntas idiotas. Então você olha para mim e não vê?

 Você é um nobre, então?

 Mas olha que pergunta absurda! Se não sabe o meu nome, não interessa. Tira essa mão do meu braço! Tire essa mão! Incomoda. Não se toca num nobre!

Insiste em dizer que nada mais existe, mas continua contando, relutantemente, a sua história e a de Ruth.

— Não há nada, meu caro. Simplesmente essa judia curou as minhas feridas com um misterioso remédio que não sei onde ela conseguiu. (Teria ela recolhido o orgulhoso patrício num conflito de rua para tratar dele?) Depois. . . Ora, o que você pensa que está querendo fazer?

— Que aconteceu com ela?

— Ora! O que acontece com todas essas judias: elas aparecem grávidas e nos acusam.

 E a criança? Nasceu?

 Eu a repudiei, é claro.

 Sim, mas nasceu a criança, não é? Era menino ou menina?

 Era uma idiota! Jurou vingar-se. Que diferença faz? Filha de um judeu...

 Sei, mas era um filho seu também, não é, meu querido? Ela era a mãe e você o pai.

 Assim ela dizia, mas quem pode confiar numa judia?

 Mas, então, você a amou, não é verdade? Não há nada de errado em amar uma judia. Você nunca foi judeu?

 Espero que não.

 O que aconteceu, então, com a criança?

 Eu a adotei e a levei para Roma.

 E Ruth?

 Ficou.

 Ficou na Palestina? Era um menino?

 Não. Era uma menina.

 E que nome você deu a ela?

 Não posso dizer, porque se eu disser você vai saber quem fui eu.

— Não estou interessado em que você revele a sua identidade, meu querido. Você dirá somente aquilo que quiser dizer. Quero apenas mostrar a você que não precisamos ficar fixados nos nossos desenganos. Podemos sair deles.

 Não tenho desenganos.

 Tem sim. E a menina? Ela cresceu em Roma? Tornou-se uma moça? Casou-se? O que aconteceu com ela?

Suspira, reluta e se demora. Por fim:

 A desgraça. (Pausa) Esses malditos cristãos...

 Ela se tomou cristã?

 Me traiu.

 Você se casou em Roma? Por que você diz que ela te traiu?

 Porque ela se juntou àquela malta! E eu a repudiei, e a transformei numa escrava da minha casa. Que interesse você tem nessa história?

 Não, meu filho. Tenho interesse em você. Para poder te ajudar, para que você

compreenda como esses problemas do passado ainda te prejudicam hoje. É preciso que você entenda bem isso: que não se pode fazer coisas dessas com um ser humano.

 Como não? Eles não falam tanto na cruz? Que tem que sofrer?

 Ela sofreu. Onde está ela hoje?

 Eu me casei com uma patrícia bela e dei a ela como escrava.

 A sua própria filha?

 Sim. Ela era muito bela. Daí, a minha mulher achou que ela não era apenas uma escrava. Teve ciúmes e a envenenou. E eu enlouqueci de dor.

 Você vê então, meu querido, que existe no seu coração uma grande capacidade de amar. A dor é um chamado de atenção.

— Eu a amava.

— Amava, não. Você a ama até hoje.

— Mas ela interpôs aquela cruz entre mim e ela. Aquela cruz maldita.

— Ela não interpôs, meu querido...

— O estigma da sua própria mãe. A cruz maldita! A cruz da vergonha! A cruz da maldição! E ela morreu segurando aquela cruz!

 E depois você também morreu... foi para o mundo espiritual. E lá você encontrou-se com ela?

 Com os olhos dela. Tive medo. Corri e me escondi.

 Está escondendo-se até hoje. E veja: não precisava ter fugido dela, que o ama e você também a ama. 

 Quem é esse Cristo que enlouquece, que cega as criaturas todas? — pergunta ele elevando a voz. - Enlouquece! Todos ficam loucos! Todos. Sacrifícios humanos, piras, holocaustos! Eles se jogam, se entregam, se doam. É uma loucura!

 É preciso ter muita convicção, não é?, para fazer uma coisa dessa.

 Ruth era também uma louca.

 Ou foi você que não quis segui-la?

 Loucos! Loucos! Você precisava ver aquelas fisionomias loucas! Pareciam estar no paraíso na hora do sacrifício... Só podiam ser loucos.. . Aqueles olhos! Aquela atitude, aquela loucura diante do sangue que escorria e da dor que não sentiam! Ela tomou o veneno, segurou a cruz e morreu sorrindo...

 Que beleza de fé e de convicção!

 “Eu te amo, papai!” (Tem violenta crise de choro e repete, em pranto:) “Eu te amo, papai!”

— Perdoe, meu irmão. Foi necessário despertar isso em você para que você se lembrasse novamente que é um ser humano. Não se desespere.

 Esse Cristo que me arrancou tudo! ”Eu te amo, papai!”

 O Cristo é que deu a ela essa convicção para dizer a você que o amava, que o ama até hoje. Ele não tirou nada de você. Ela queria que você fosse também com ela. Acompanhasse também o Cristo.

 Por um momento eu pensei que ela ia transformar-se numa deusa e subir ao Olimpo, a qualquer lugar. Uma deusa!_

 Mas você não está mais fugindo dela, não é? Se você a encontrasse hoje que faria? Suponhamos que você a encontrasse agora!

 Quem sou eu?

 Você é pai dela. Não deixou de ser o pai e ela não deixou de ser sua filha. Gostaria de estar com ela novamente?

 Eu.. . um membro famoso da corte... Belo, jovem, destemido.. . Que participava de todas as corridas.. . Não estou preparado. Teria que dar tudo e não posso: o que sou, o que lutei...

 Não, meu querido. Você tem que renunciar é aos seus desenganos. Não somos nada diante dAquele que nos amou e continua a nos amar. O exemplo que a sua filha deixou é válido até hoje. Você viu com que coragem ela enfrentou a morte sem ódios; pelo contrário: deixou uma mensagem de amor. Você não acha que isso é renúncia bastante? Por que você não aprende com ela a lição? Ela renunciou à vida com um sorriso nos lábios.

 Ela nunca se revoltou. Era uma escrava fiel. Serva na minha própria casa, a minha própria filha!

— Como se chamava?

 Não me faça dizer. Não, por favor.

 Seria bom para você. Está no seu coração. Ela precisa ouvir o seu nome dito por você.

 Seria um sacrilégio.

 Ela precisa saber que você a ama. Aliás, ela sabe disso, mas ela quer ouvir de você. Diga: ”Minha filha, vem cá!”

 Que poder tem você?

 Não tenho nenhum poder, meu querido. Nenhum poder temos senão aquele que vem de Deus.

 ... que derruba uma rocha.. .

 Você não caiu; você está se levantando hoje.

 Que poder tem você? Quem são vocês?

 Somos daqueles trabalhadores menores que estão tentando resgatar companheiros como você, perdidos em ilusões, em desenganos, a fugir, cegos. . . de quê? De fantasmas. A buscar posições, porque tem medo de andar junto aos irmãos que sofrem. Você também sofre, meu irmão. Chega! Hoje é dia de começar uma nova vida. Confiamos seu Espírito, neste momento, àquela que foi sua filha um dia e que não o esqueceu com o seu amor. Vá com ela. Vá em paz e que Deus o abençoe. Tenha confiança. Conte conosco naquilo em que for possível servi-lo.

 Não posso. . . Estou confuso!

 Você agora compreendeu toda a situação e por que estava fugindo. Não é preciso fugir mais. Você estava fugindo da sua própria filha! Por quê?

 Porque eu a matei! (Pausa) Que falei eu agora? Perdi tudo. Ou acho que não preciso nada? Isto é uma ilusão. . .

 Também acho. Agora vai começar a realidade. E você vai reconstruir a sua vida, suas esperanças, seus amores. Não faltará apoio. Não lhe faltarão recursos. Confie em Deus. Confie em Jesus, a quem até agora você não havia compreendido. Aceite-o em nome da sua filha.

 Jesus. . . Que significa Ele para mim? Significa a Cruz, significa espinhos, significa fel.

 Não. Ele significa o consolo para esses espinhos, para esse fel que você vai ter que suportar agora, por causa dos seus próprios erros. Ele não cometeu erros. . . Ele quer apenas ajudar.

 Eu tenho uma filha!

 É verdade. E ela tem um pai. . .

 Ela é bela, muito bela! Quase uma menina... Meu Deus! Como pode o orgulho cegar um homem!...

Essa é a história. Não me sinto encorajado a acrescentar nem mais uma palavra, em respeito àquela dor bimilenar...

Fonte: http://ensinamentos-esotericos.blogspot.com/

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