(O espírito sofredor, levado inconscientemente pelo Espírito Guia ao centro espírita, dialoga com o doutrinador.)
Esta é a história de uma mulher. Servia como elemento de contato, sedução e persuasão, habilmente manobrada por inteligentes líderes das sombras. Escondia nas dobras do passado um drama doloroso que, pouco a pouco, vai se desdobrando diante de nós.
Tomamos o diálogo a partir do ponto em que começa a regressão de memória.
Ela acaba de queixar-se novamente da “injustiça” que teria sofrido e da qual precisava vingar-se. O doutrinador lhe diz:
— Quero apenas lembrar a você, repetindo uma vez mais: você não sofreu aquilo
inocentemente.
— Sofreu o quê? O que eu sofri?
— Ah! não sofreu nada?
— Sofri foi inveja. Inveja é alguma coisa que eu tinha que sofrer? Inveja dos outros? Inveja, inveja.. .
— Você era muito bonita?
— Era, não: Sou. As pessoas invejam os feios?
Observe o leitor o tempo presente: Sou bonita. O Espírito tem de si mesmo a imagem distante.
— E você tinha posição? Era poderosa?
— Eu era uma artista.
— Ah! Aí está explicado o seu talento para expor as suas idéias, as suas convicções. Foi na Itália?
Não foi.
— Espanha?
— Sevilha.
Neste exato ponto ela mergulhou no passado e começa a falar com entusiasmo.
— Sevilha. . . Sevilha. Ora Viva Sevilha! (Bate os dedos imitando o som das castanholas). Minha vida! Minha dança! Minha dança, que era tudo para mim. “La dama del vestido rojo”. Era assim que me chamavam. E com uma rosa (pronuncia com sotaque castelhano como se fosse ”rôssa”) aqui (mostra os cabelos) que eu dançava.
— E o que aconteceu?
— Não vê meus cabelos como são belos? Vê? São belos! É parte da minha dança.
— O que foi que houve? Conte.
— Dom Ramón. . . Dom Ramón que era o homem mais rico. Eu dançava para ele. Ele ia casar-se comigo e dar-me toda uma vila. Uma vila! Para que eu dançasse só para ele. Tinha um palco bonito na casa dele para que dançasse só para ele e para os seus convidados.
— E daí?
— Daí, a inveja.
— Foi uma calúnia?
— Não. Não foi uma calúnia, foi uma taça.
— Que você bebeu?
— É... que eu bebi.
— Você morreu, então. É isso?
— É isso.
— Pois é, minha querida. Lamentamos que isso tenha acontecido.
— Você lamenta, é? Por amor, já matei uma noiva. Posso contar a história agora, porque agora já não me toca mais. (Fala com forte sotaque, intercalando palavras em castelhano). Dom Ramón tinha uma “novia” que era de alta família, mas Dom Ramón gostou de mim. ”Dom Ramón me gusta”. Dom Ramón me gostava e desmanchou o noivado. Ela, um dia, me convidou para sua casa. E eu fui. “La
novia de Dom Ramón” tinha um coche bonito, dois cavalos pretos. Eu fui. Ela era
traiçoeira. Deu-me uma taça. . . Isso não me toca mais.
Terminou ali uma existência cheia de esperanças, de alegrias, de sonhos. Seu único propósito durante anos e anos foi encontrar a noiva de Dom Ramón para vingar-se. O doutrinador tenta dissuadi-la, procurando levá-la a um passado mais remoto, quando ela teria criado as matrizes das suas frustrações. Ela se recusa enfaticamente e termina por dizer que encontrou, afinal, a antiga noiva de Dom Ramón.
— Encontrei-a aí, dentro duma casa espírita; agora contrita. . . boazinha, falando em carma de passado. . .
— E você quer se vingar?
— Primeiro quis ajudar para ela ser uma artista. Para ela sentir prazer. E depois a faria cair. Então alguém lhe deu uma grande decepção. Ao invés de ela ficar se lamentando, começou a ler um livro aí, esse Evangelho (Segundo o Espiritismo). Sabe o que eu fiz? Ela quebrou uma perna de jeito que nunca mais consertou. Ela hoje manca e uma artista não pode mancar. Ela puxa a perna, é quase imperceptível, mas eu sei que ela puxa.
— Você está satisfeita com isso?
— Estou, mas eu queria mais.
— Mas, filha, dá licença. . . Um momentinho, querida. Vamos um pouco mais atrás para ver por quê aconteceu aquilo com você.
— Não tem nada que ir atrás. Você pára por aqui mesmo.
— Vamos ver a razão de tudo isso?
— Não tem razão. A razão está na inveja! Toda mulher bonita tem uma parcela de inveja sobre ela. Se eu me mostrasse aqui, garanto que essas mulheres que estão aqui... essas senhoras, iam ficar com inveja. Se vissem como sou bela!
O doutrinador insiste na magnetização e prossegue, induzindo a regressão de memória. Escoam-se alguns segundos em silêncio, até que ela começa a mergulhar nas suas lembranças, à medida em que surgem imagens do seu passado na revivescência dos seus dramas íntimos. A certa altura ela diz:
— Que é isso? Que você está achando? Está montando um cenário aí todo para mim. . . É um cenário? Por que essas mulheres todas de branco? Por que tudo isso? Essas mulheres vestidas de branco. . .
— Você também está aí?
— Estou. Leio a sorte das pessoas. Na fumaça.
— E o que você leu para a moça?
— Não li nada para a moça.
— O que aconteceu, então, aí entre essas mulheres de branco? Confie em nós.
— É, você tem razão. Eu li uma fumaça para ela. Que você quer que eu diga? Se eu li uma coisa para uma pessoa não posso dizer a outra.
— Quero que diga a verdade.
— É um segredo dela.
— Você não precisa me dizer o segredo. Diga apenas o que você fez.
— Se eu disser o que fiz, vou dizer o segredo dela.
— Sei. E daí, o que aconteceu? Respeito a sua discrição. Não vou pedir a você que fale, que revele aqui o segredo. Quero apenas que diga, por favor, o que aconteceu.
— Ela queria saber por que o prometido dela não vinha. Já tinha um mês. Então eu acendi o tripé e botei as essências. Você sabe o que é isso. E aspirei a fumaça. Então eu vi. Vi uma casa, parecia uma charneca, uma coisa assim. Tinha uma moça lá, muito bonita. E aí, eu vi o noivo dela, cortejando a moça. Eu disse para ela...
— O que foi que você disse?
— Disse isso que estava vendo.
— Foi só isso, então? Não. Não foi.
— E ela foi embora. Depois, ela voltou. Trouxe uma bolsa de dinheiro para mim. De ouro. Acho que era um... (hesita) Ela queria que eu desse a ela um filtro. Eu dei. Eu dei!
— Você deu, não. Você vendeu.
— Eu dei e ela o mandou numa ânfora de vinho para a moça.
— E ela tomou?
— Deve ter tomado...
— Deve ter... Deve ter, porque depois ela casou-se.
— E a outra moça?
— A outra moça... ué. . .! Era um veneno fortíssimo.
— Morreu, então...
— E sem deixar traços. Era a morte azul. Sabe? Que fazia o coração misturar o sangue...
— Ou por outra, você a matou com vinho (envenenado), não é?
— Eu não! Claro que não. Eu só dei para ela.
— Então, quando chegou na existência na Espanha, mais tarde, você acha que Deus lhe concedeu o direito de se vingar. E agora quer vingar-se novamente?
— Não. Quem se vingou não fui eu; foi ela que me deu para beber.
— Sei. Mas e quando você deu para ela?
— Eu não dei! — grita ela.
— Como que não? Não foi você quem preparou? Você poderia ter-se recusado.
— Mas todo mundo fazia aquilo!
— Então, está justificado. . . Você não tem responsabilidade nenhuma... ?
— Mas você vive num mundo em que, se quer sobreviver, você...
— Mata! Quebra a perna! Não é isso? É assim, não é? Ilude. É isso, minha filha? Por favor, minha querida. Já é tempo. . .
— Eu estou errada?! — pergunta ela muito admirada.
— Eu acho que está, mas compete a você própria decidir. Não sou eu quem vai decidir por você. Minha opinião é essa.
— E os meus sonhos de moça? E meus desejos secretos? Tudo acabou numa taça de vinho...
— Mas você não observa que os dela também acabaram numa taça de vinho? Não é tempo de parar essa história de ficarem a se matar umas às outras? Hein, minha querida?!
— Você sabe o que me disse o meu chefe? Eu acho que ele tem razão. Ele disse que o meu maior valor é porque tenho uma frieza. . . que eu não sinto emoções.
— Você tinha. . .
— Não sinto emoções. Você vê. Não sinto.
— Não mesmo? Não se arrepende de nada?
— Fiz do meu coração um relógio.
— Mas como você sente ódio por ela?
— Ódio não é emoção.
— Ah! sei. . . É o quê?
— É um ódio frio. É um direito que acho que tenho.
— Sei... que você acha que tem. . . E você pretende matar também essa moça? Continuar matando, então?
— Eu matar? Nunca matei ninguém. Minhas mãos que cuidam de rosas não podem matar.
— Não deveriam ter matado.
— Nunca matei!
— Minha filha, escuta. Não estou te acusando e nem dizendo que você cometeu um erro irreparável. O erro existiu, realmente, mas não é irreparável. Mas, pelo amor de Deus, não prossiga errando. Você nunca sairá desse círculo vicioso se continuar assim. Você já viu o que aconteceu na Espanha, quando você perdeu a oportunidade de casar com aquele seu amigo; foi porque anteriormente você havia frustrado, com a morte, nas mesmas condições, outra moça que também tinha os seus sonhos.
— Não fui eu. Foi a rival que matou ela. Eu não.
— Minha querida, seja honesta consigo mesma. Aceite sua responsabilidade. Estamos aqui num momento de verdade, tentando ajudar você, mas é preciso que você se convença de suas responsabilidades. Como é que fornece um veneno para uma pessoa que o pediu para matar outra, você o dá e não tem culpa nenhuma? É verdade que a companheira a quem você deu esse veneno também tem a sua responsabilidade, mas você poderia ter conversado com ela, dizendo: ”Minha filha, não faça isso”. Não? Suponhamos que ela tivesse sido realmente sua filha, uma parenta, uma mãe...
— Já me disseram isso. Me disseram. . . e por isso me tiraram os meus poderes
(mediúnicos). Eu tinha muitos poderes.
— Minha filha, o que você tinha não eram poderes eram recursos mediúnicos. Você tinha a faculdade de se comunicar com os espíritos, mas isto não é para oprimir e para matar. É para fazer o bem. Os recursos foram retirados para que você não errasse mais ainda. Chegará ao ponto em que você vai precisar voltar para aqui, para a carne, e praticar a sua mediunidade a serviço do bem, para curar, para consolar, para amar. Não mais para odiar. Você quer fazer isso por nós? É o pedido que lhe faço aqui, como irmão, como amigo. Está de acordo?
Longos silêncios. Ela ouve recolhida. E depois, comenta:
— Eu perdi a fé nos homens.
— Filha, você contribuiu para isso, não é? Você não me aceita como um ser humano, como irmão?
— Vou lhe dizer uma coisa. Tenho encontrado tanta gente que tem me pedido, não para dar filtros, agora, mas para ”dar um jeitinho”. As pessoas continuam as mesmas. Dentro da sua própria Doutrina (ela quer dizer dentro de certos círculos que se dizem espíritas) tenho encontrado gente que me pede para ”dar um jeito”.
— Bem, minha filha. Isso quer dizer que você também continua a mesma, não é? Você também não conseguiu libertar-se dos seus enganos. Quem vai “dar um jeitinho” na sua vida senão você mesma? Aceitando as suas responsabilidades, procurando corrigir-se. Estamos aqui estendendo a mão a você. Não desejamos a sua humilhação, nem que você...
— Vou lhe dizer uma coisa. Trabalhei durante algum tempo. Eu estava fazendo iniciação aqui, num lugar que vocês chamam de... (ela cita nominalmente uma das cidades satélites do Grande Rio e que, por motivos óbvios, não pode ser identificada aqui). Eu estava fazendo uma iniciação lá, num grupo. Só que lá eu era uma ”Vovó”, como eles me chamavam. E eu ajudava... ajudei muita gente a... nos seus amores.
— Sim, filha. Então ajude-se a si mesma. Você também tem os seus amores.
— Mas isso não era bem, que eu fazia? As pessoas iam! Não interessa. Ele é casado. Não quero saber, eu gosto dele. Então eu mandava levar uma roupa. Aí eu fazia uma imantação. Você não conhece essas coisas. . .
— Conheço. Minha querida, enquanto isso o seu Espírito está parado, você está acumulando (dívidas).
Ela interrompe para falar do seu novo trabalho:
— Agora estou fazendo um trabalho muito melhor!
— Não está, minha querida. Você está fazendo a mesma coisa, cometendo os mesmos erros, iludindo as mesmas pessoas.
— Mas se as pessoas te pedem as coisas... As pessoas estão te pedindo!
— Então, se te pedem para matar, você dá o veneno e diz: “Olha aqui! Pode matar!” É assim que a gente faz?
— O Evangelho não diz: “Pedi e dar-se-vos-á”?
— Sei. A morte, a dor, o sofrimento?
— Nunca entendi bem esse Evangelho que manda fazer uma coisa e quando você faz critica e diz que você está errado. (Altera a voz, já à beira do choro).
— Filha, o Cristo não mandou matar.
— ”Pedi e dar-se-vos-á!”, grita ela. Então eles vêm, pedem e você não vai dar?
— Ele mandou você matar, mandou distribuir veneno?
— Eu não matei ninguém.
— Matou sim, minha filha. Vamos assumir a responsabilidade, por favor. Não se trata aqui de acusar ninguém; trata-se de mostrar que você tem de assumir as suas responsabilidades para poder resgatá-las. A lei exige. Você sabe disso, minha querida.
— Quanta gente ia lá e eu dizia que era um reencontro do passado. Era uma outra
reencarnação. Então, estava explicado por que ela podia querer aquele homem ou aquele homem querer aquela mulher. Eles sempre gostavam muito de passado, de saber do passado para justificar as coisas.
— Você gostou de D. Ramón mesmo, ou só porque ele te oferecia o poder?
— Eu gostei de D. Ramón. Gostei mesmo. Ele era bom. Ele me amava. Ele amava a minha beleza, a minha dança.
— Mas ele amava você como ser humano?
— Ele amava a mim, ele amava o que eu era. Amava tudo que eu tinha de bom. (A essa altura, já estava chorando). E eu era boa. Eu só queria dançar. . .
— Sim, minha filha. Eu compreendo. Não havia maldade em seu coração.
— Dançar a Sevillana. . . tão bonito! Ora Viva SeviIha! diz, chorando sempre.
— Escute! E você não encontrou D. Ramón no mundo espiritual?
— Não encontrei D. Ramón, porque fiquei com tanto ódio que, quando eu tomei aquela taça. . . De repente. . . eu não entendi, porque morri, mas não morri. E aí, quando vi, ela estava rindo na minha cara, dizendo “Ele agora é meu noivo”. Então voei na garganta dela, e apertei a garganta dela, mas não conseguia matá-la, porque as minhas mãos passavam na garganta dela! (Continua chorando). Tentei envenenar a outra taça, mas não conseguia segurar as coisas. Eu não entendia e via aquele corpo que era eu, lá no chão. . . com a minha mantilha negra, tão bonita! E a rosa nos cabelos... Eu era jovem e era bonita. E nunca mais a deixei. E ela não foi feliz com D. Ramón, porque eu não a deixei. Fiz ela ficar louca, louca...
— E você se sente feliz com isso? Claro que não.
— Isso já passou há muito tempo. E não aplacou a minha tristeza.
— Pois é, e nunca vai aplacar, minha querida. E não é assim que você vai chegar a D. Ramón. Não é pelos caminhos do ódio.
— Ela teve um filho de D. Ramón, que eu fiz afogar (chora sem parar). Foi a única coisa que me fez sentir pena depois. Depois disso saí de lá, porque ele sofreu tanto! Eu sempre amei D. Ramón! E fiz ele sofrer, porque tinha matado o filho dele... Naquele dia deixei a casa dele. Fui-me embora.
— E a criança? Você a encontrou? Onde está essa criança hoje? Você sabe?
— Não sei, não. Fiquei tão louca porque se D. Ramón soubesse, ele ia ter ódio de mim. Sou tão infeliz! Sempre fui infeliz, sozinha. Nunca mais tive ninguém, depois daquela Sevilha. Ficava sempre com pena daquela criança que eu... que fiz afogar.
— Minha filha. Agradeço, do fundo do coração, a sua confissão tão emocionada. A sua dor, nós a respeitamos com todo o nosso carinho. Por favor, agora pára um pouquinho. Vamos pensar nessas coisas todas, tristes, que passaram, para corrigi-las.
— Será que um dia Deus me deixa ter aquele menino como meu filho?
— Claro. Claro que vai deixar. É certo isso. Conte com isso, mas é preciso que você dê condições, não é, minha querida?
— Mas os homens são tão maus... todo mundo é tão mau!
— Sim, minha filha, mas a maldade está em nós, não está em Deus. Todas as criaturas são más? Não são. Há muita gente boa. Você mesma reconhece que D. Ramón era um homem bom.
— D. Ramón era bom, era muito bom.
— Provavelmente você terá ainda oportunidade de ser esposa dele e, quem sabe, receber aquela criança de volta e a outra moça que você sacrificou também e conciliar tudo isso numa só família. Quem sabe? Mas é preciso que você se prepare para isso. Não vai ser fácil; não vai ser de uma hora para outra, por um passe de mágica. . .
— Andei esse tempo todo procurando D. Ramón, mas nunca o acho.
— É claro, minha querida. Você está procurando pelos caminhos errados, você não está procurando onde ele está.
— Mas qual é o caminho certo? Qual é?
— O caminho é o do amor, não é o do ódio. Como é que você pode aproximar-se dele e dizer. ”Estou aqui”!
— Mas eu não sei onde ele está!
— Sei, filha. Mas você vai chegar a ele e dizer: ”Eu matei o seu filho”?
— Não está mais em Sevilha. Não há mais ninguém em Sevilha. Sevilha está tão mudada!
— Sei, minha querida. Mas ele é um espírito imortal, como você. Quanto tempo tem isso? Lembra-se do século? Que ano foi isso? Quantos anos você tinha quando morreu?
— Tinha 18 anos. Eu era uma criança...
— Em que ano você nasceu?
— Eu? (Pausa). Não sei...
— Não sabe. Mas tem muito tempo, não tem?
— Tem. Vejo o número quinze.
— Século? Não importa. O certo é que se passou muito tempo e nesses séculos, você continuou a odiar, continuou a perseguir pessoas, culpando essas pessoas
pelos seus próprios erros. Não digo que elas sejam todas inocentes. Aquela moça
também tem suas culpas, mas você agravou as suas, tentando eliminar a vida dela. Somos espíritos imortais. Respondemos pelos nossos enganos. Por favor, agora procure compreender tudo isto, deixe essas emoções do verdadeiro amor que você traz no seu espírito mostrarem o seu caminho.
— Tenho um número na minha cabeça: um, cinco, oito, seis.
— 1586. Pois é, com dezoito anos, portanto, você estaria em 1604, já no princípio do século XVII. Então, lá se vão mais de trezentos e tantos anos. Vê quanto tempo você perdeu odiando? Agora, minha filha, procura recuperar esse tempo amando. Amando de verdade, o amor superior...
— Mas estou tão sozinha! Todo mundo me explora. Não tenho ninguém. Perdi todos... Perdi todos, estou sozinha!
— Você não está sozinha; está conosco. Você não nos conhece há muito tempo?
— Não estou com vocês; estou sozinha.
— Vai estar agora. Quer ficar conosco?
— Eu queria ver a mãe!
— Como se chamava a sua mãe?
— Angelita.
— Angelita! Que bonito nome! Quem sabe ela está à sua espera todo esse tempo, tentando comunicar-se com você? Era uma boa mãe?
— Era...
— Sabia rezar? Levava você a Igreja quando você era pequenina? Minha querida, ela continua a te amar também. Provavelmente está esperando por você. Quer ficar conosco, então? Você não é obrigada a ficar. Você é livre de partir, mas gostaríamos que ficasse pelo menos por algum tempo.
— E que eu vou fazer da minha vida?
— Vai fazer o seguinte: agora você vai apenas descansar. Depois vamos conversar. Provavelmente vai ter oportunidade de estar com sua mãe.
— Por que essa Doutrina esquisita, que todo mundo fala, mas ninguém leva muito a sério? Por que eles não levam?
— Pois é, minha querida. Nós levamos, aqui, e tentamos ajudar. . . O pouco que a gente pode fazer, a gente faz. E estamos oferecendo a você o nosso carinho, o nosso coração, a nossa compreensão pelas suas dores. Você não vai ser desrespeitada aqui, nem magoada, nem maltratada. Tenha paciência...
— Eu queria um jardim para cuidar das minhas rosas...
— Você terá o seu jardim e terá oportunidade de estar com sua mãe. Vamos pedir a ela que receba o seu espírito para que você possa ter um pouco de paz. Depois voltaremos a conversar. Está bem? Você me perdoa, minha querida, pelas dores que fomos obrigados a trazer à tona, no seu espírito, para que você pudesse chorar um pouco e saber que continua amando. Que você tem amor no seu coração. Pela sua mãe, por aquele companheiro, por aquela criança. Mas você vai também precisar aprender a amar aquela a quem tão duramente prejudicou. Não é? Aceite-a também, como sua irmã. Não vai ser difícil, porque você sabe amar. Você era criança ainda e o choque foi muito grande, a dor foi muito forte e a desorientou. Mas aceite a sua responsabilidade. Está de acordo?
— Estou sentindo um calorzinho. Quanto tempo que eu não sentia um calorzinho. (A anestesia voluntária do coração na frieza, que é uma fuga).
— Vai com os nossos companheiros aqui. Eu te agradeço muito você ter confiado em nós.
— Mas eles não vão me prender?
— Claro que não. Você é livre de ir a hora que quiser. O que estamos propondo é que você vá descansar um pouco.
— Mas agora que todo mundo sabe, não vão me prender numa cela?
Provavelmente essa ameaça foi empregada pelos seus mandantes para manter a pobre moça sob controle nas tarefas das sombras.
— Não, minha filha. Você já esteve presa na sua consciência mais de trezentos anos. Você precisa agora começar a trabalhar para resgatar-se dessas dores. Você confia em nós, não confia?
— Confio.
— Deus te abençoe. Fica conosco, então. Vai com esses companheiros.
— “Eles” vão dizer que falhei. Mas eu estava tão cansada.
— Eu sei. Você hoje teve um gesto de coragem, de disposição para a luta. Sei que você é um espírito valoroso, uma mulher sensível, inteligente. Você vai compreender tudo isso muito bem e vai aceitar a nova situação.
— Eu já não estava com muita raiva dela mais, não. Porque depois que ela ficou... que ela pegou esse livro, rezava e pedia perdão a quem tivesse ofendido. . . Todo dia, todo dia. . . Eu já não tinha mais aquela vontade de. . . Eu já tinha até me arrependido do que fiz à perna dela... Você me ajuda? Você parece um pai tão bom!
— Minha querida, você é uma criança que cometeu seus enganos. Agora vamos começar a refazer isso tudo. Nós a ajudaremos. Não faltará a você o carinho, a compreensão de Espíritos muito melhores do que eu.
— Vocês me perdoem. Diz a eles para me perdoarem. Eu disse tanta bobagem.
— Nós perdoamos, minha querida. Não se preocupe com isso. Agora vá em paz e vamos pedir à nossa querida Angelita que vá ao seu encontro no mundo espiritual.
Ela corrige a pronúncia, repetindo o nome da mãe com a perfeita entonação castelhana:
— Angelita...
— Deus te abençoe! Vai!
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