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Pai João De Aruanda |
Tony visitava aquela casa de Umbanda pela primeira vez, e notou um pensamento estranho imiscuir-se em sua mente, como se fosse tateado por tentáculos invisíveis. Estava ofegante diante da presença de alguém que não podia ver, embora o percebesse de maneira intensa. Já sentira algo assim antes, principalmente quando chegava em casa tarde da noite, após freqüentar alguns ambientes que ele próprio julgava inapropriados.
Certo dia, viu-se quase arrancado de seu próprio corpo, como se alguém estivesse empurrando-o ou querendo assumir o controle de sua mente e de seu corpo. Era uma força estranha, uma presença marcante. Em ocasiões como essa, seus braços movimentavam-se de modo involuntário e a cabeça parecia ganhar vida própria. Era como se sua voz se modificasse levemente e ele começasse a pronunciar coisas que não tinha o costume de falar.
Depois de tentar os recursos da psicologia, inclusive fazendo regressão de memória, qual não foi sua surpresa quando se ouviu falando com o terapeuta num timbre de voz desconhecido. Não conseguia dominar-se nesses momentos. Foi então que um amigo o conduziu à tenda onde agora se encontrava, para uma entrevista com os espíritos, a fim de que pudesse compreender o que se passava.
Agora Tony estava ali, sentado e aguardando o seu momento de falar com o preto-velho, quando aquilo tudo, aquela sensação estranha, parecia querer eclodir novamente. Tinha medo de si mesmo. Seria essa força um espírito?
Pai João, demonstrando conhecer o que se passava com Tony, interrompeu sua conversa com a consulente que atendia e pediu a um dos trabalhadores que conduzisse o rapaz a um cômodo ao lado. Lá deveria receber um passe, uma transfusão de energias; tal iniciativa serviria para acalmar a entidade e também para revigorar o moço, que sofria visivelmente ao tentar conter o assédio espiritual, embora não conhecesse o bastante a respeito do assunto para obter completo êxito.
Incorporado em seu médium, o preto-velho levantou-se da cadeira e dirigiu-se ao outro aposento, enquanto no salão os demais médiuns atendiam aqueles que procuravam socorro emergencial. Mentalmente, tateara os pensamentos de Tony, o moço que sentia uma ação estranha sobre si. O pai-velho já sabia a forma exata de abordar a questão.
Adentrou o ambiente reservado, onde poderia atender o caso fora do olhar atento dos curiosos, respeitando a ética, que resguardaria tanto a pessoa quanto o espírito dos olhares alheios. Ali, em sua tenda, Pai João optara por trabalhar apenas na presença de outros médiuns, sem expor o consulente diante de outras pessoas.
Ao chegar ao local onde estava o rapaz, rodeado por quatro trabalhadores da casa de caridade, pôde perceber mais precisamente a dimensão do problema que o moço enfrentava. A princípio, o rapaz lutava intimamente contra a força que o pressionava, que quase o tornava impermeável aos fluidos transmitidos através dos passes. Quando o pai-velho adentrou o ambiente, aí sim, ele pareceu perder completamente o equilíbrio e cedeu lugar quase imediatamente à entidade que o acompanhava.
No mesmo instante, Pai João pediu a um dos médiuns que se colocasse à disposição para aquilo que na umbanda se denominava puxada. O espírito que acompanhava o rapaz seria imantado à aura do médium a fim de ser encaminhado a tratamento. Nada de força, nada de constrangimento.
— Este caso, falou baixinho o preto-velho para os outros médiuns presentes, é o típico caso do encosto, conforme dizem meus filhos. Um espírito qualquer se sentiu atraído pela aura do rapaz e, de modo bastante natural, sentiu afinidade com o comportamento dele. O espírito não pretende fazer mal algum; porém, está quase que aprisionado magneticamente à sua aura. Mas não adianta nada separarmos os dois se o moço não modificar a vibração de seus pensamentos e emoções, adquirindo atitudes mais sadias. Vamos ver o que se pode fazer.

O pai-velho induziu um dos médiuns a ficar ao lado do rapaz, que se contorcia e chorava, como se estivesse numa luta intensa. Do outro lado da situação, a entidade tremia violentamente, quase em espasmos, literalmente grudada à aura do rapaz. Energias sutis eram sugadas pela entidade, que subtraía de Tony fluidos preciosos, porém em grande medida comprometidos pela qualidade das emoções do consulente.
Eram fluidos pesados, que pareciam se esvair através dos poros ao mesmo tempo em que eram absorvidos pelo espírito errante. O médium entrou em sintonia com o pensamento da entidade, e a transferência magnética foi imediata, liberando Tony da influência estranha.
O espírito acoplou-se vibratoriamente à aura do médium e começou a se utilizar da sua voz para expressar-se:
—Eu não tenho culpa — falou, quase gaguejando, a entidade através do médium. — Fui atraído para perto dele e, a partir daí, não consegui mais me livrar, estou amarrado a ele!
Sob a orientação do pai-velho, a entidade foi desligada fluidicamente da aura do consulente. Espíritos amigos aproximaram-se do rapaz, manipulando energias magnéticas com tal intensidade que os laços fluídicos com a entidade foram desfeitos de imediato. Contudo, via-se claramente que fluidos pesados ainda ficaram aderidos ao corpo espiritual de Tony. Parecia uma fuligem, que impregnava a aura do moço, penetrando pelo interior de seu corpo.
—Você está com uma crosta de sujeira energética, meu filho, falou o pai-velho para o rapaz, que recobrava seu domínio mental. — É como se você, durante longo tempo, tivesse se envolvido com ambientes ruins e nocivos a sua saúde espiritual. Elementos de baixíssima vibração impregnaram sua aura. E olha que a culpa não é do obsessor, mas é responsabilidade sua.
O rapaz baixou o rosto sensibilizado e, ao mesmo tempo, envergonhado.
— Sua conduta, filho, é que define o tipo de companhia espiritual que circunda ao seu redor. Não adianta estar vestido de terno e gravata e ter um verniz social, sem uma vivência real de qualidade. Pode até ser que você pense estar escondendo algo de seus amigos ou de alguma pessoa, mas sua vida, na verdade, é um livro aberto. Para nós, espíritos, as atitudes e os comportamentos se transformam em entidades vivas, em energias poderosas, sejam eles bons ou maus. É dessa forma que você atrai outros seres que se apegam a seus vícios e paixões e, de alguma maneira, passam a se alimentar de seus pensamentos mais secretos, espelhando-se em seu comportamento. Nem sempre esses espíritos despreparados querem prejudicá-lo, mas com certeza a qualidade de seus pensamentos e atitudes os excita e atrai. Por sua vez, através do processo de sintonia mental, eles acabam por influenciar você também, embora nem sempre tenham consciência do que lhes ocorre. Tenha cuidado, filho, pois semelhante atrai semelhante.
Depois de algum tempo, oferecido para reflexão de Tony, o pai-velho arrematou:
— Fique mais um pouco por aqui e veja se assimila algum ensinamento para sua alma. Depois, vá entrar em contato com a natureza, respirar ar puro ou simplesmente tomar um banho de ervas de cheiro. Os filhos que trabalham com pai-velho lhe darão as ervas e ensinarão o que fazer com elas.
Do outro lado da vida, espíritos especialistas conduziram a entidade responsável por parte do mal-estar de Tony a um recanto da natureza. Um dos espíritos socorristas, cuja vestimenta fluídica tinha o aspecto de um caboclo, trouxe recursos extraídos da natureza.
Dentro de uma espécie de pote, havia um preparado de diversas ervas, que lançavam no ar um cheiro peculiar, um aroma forte e ao mesmo tempo agradável. O espírito que se afastara do rapaz aspirou o perfume que exalavam, e o que se viu em seguida foram estruturas semelhantes a vapores densos serem expulsas ou exsudarem de seu corpo espiritual.
A tal entidade parecia adormecer lentamente, enquanto o aroma das ervas cumpria seu efeito terapêutico, sob a ação do caboclo juremeiro — isto é, especialista na força das plantas. Outros espíritos especialistas nesse tipo de auxílio levaram a entidade a um posto de socorro no plano extrafísico, onde certamente obteria mais recursos para recuperar-se e reeducar-se.
O caboclo que agiu sob a orientação de Pai João Cobú era um profundo conhecedor das ervas e de outras terapias naturais. Quando encarnado, fora um estudioso da fitoterapia e desenvolvera amplo conhecimento acerca da homeopatia. Escolhera trabalhar ali devido aos inúmeros casos que ofereciam grande oportunidade de ser útil.
A roupagem fluídica de caboclo era referência a uma de suas existências, em que fora um velho cacique numa aldeia da Terra de Santa Cruz. Ali, naquela casa de socorro, desempenhava um papel importante: auxiliava na limpeza energética ou fluídica dos corpos espirituais. Recebia sob sua custódia espíritos sofredores e outros mais, que acompanhavam as pessoas que ali acorriam em busca de ajuda.
Enquanto isso, Pai João, incorporado em seu médium, dedicava-se à orientação, à conversa fraterna e a ouvir as pessoas que o procuravam.
Ângelo Inácio