Oportunamente, quando Henry Ford foi a Osmond, uma praia da Califórnia, ela foi visitá-lo. Ao chegar à porta, foi barrada, porque, no hotel, negro não podia entrar, somente na condição de serviço. Ela subiu a escadaria de incêndio de nove andares, saltou a janela, tocou a campainha da porta, e, quando o mordomo veio abri-la, disse-lhe:
- Quero falar com Mr. Ford.
O mordomo, que também era negro, respondeu:
- Mas ele não recebe negros!
E falou-lhe baixinho:
- Como você se atreve a vir aqui?
Ela reagiu bem alto:
- Eu tenho uma entrevista marcada com Mr. Ford, que combinei por telefone. Eu sou Mary Jane.
Ouvindo-a, Mr. Ford redarguiu:
- Entre, senhora.
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Mary Jane |
Quando ela se adentrou, ele, que era humanitário e acreditava na reencarnação, exclamou, surpreso:
- Mas eu não sabia que a senhora era uma negra!
Ela sorriu, elucidando:
- Não totalmente. Eu duvido que o senhor conheça dentes mais alvos e um olho mais branco do que o meu.
Ele a adorou, porque uma mulher que era superior a essas mesquinharias humanas merecia respeito. Perguntou-lhe:
- O que a senhora deseja de mim?
- Desejo que o senhor me ajude a construir a minha escola, a ampliá-la. Gostaria de levá-lo ao meu terreno, a fim de que o senhor construa comigo a escola dos meus sonhos.
Ele concordou. Desceu com ela pelo elevador por onde não pudera subir. Quando ela passou pela porta e o atendente a viu, ela ainda, só para surpreender, pegou o braço de Mr. Ford, com a maior intimidade. Sentou-se num carro coupé aberto, desfilando pela cidade de Osmond e olhando para todo mundo. Isso no começo do século XX. Era muita coragem!
Levou-o ao seu terreno. Quando chegou ao depósito de lixo, disse-lhe:
- É aqui, senhor, que eu quero construir a minha escola.
Ele, surpreso, retrucou:
- Aqui? E onde está sua escola?
Ela apontou:
- Ali.
- Senhora, ali é um depósito de lixo.
- Eu sempre me esqueço dos detalhes! Em verdade a minha escola está aqui na cabeça. Eu quero que, com o seu dinheiro, o senhor a arranque daqui - apontou a cabeça - e a coloque ali.
Ele deu-lhe, então, vinte mil dólares. Essa mulher educou até o ano de 1969 milhões de negros americanos. Tornou-se o símbolo da educadora mundial.
Quando o presidente Franklin Delano Roosevelt cancelou as subvenções por causa da guerra, ela lhe pediu uma entrevista na Casa Branca, e disse-lhe:
- O senhor não vai cortar as subvenções das minhas escolas. Ele redarguiu:
- A senhora não se esqueça que eu sou o presidente.
E ela respondeu:
- Nem o senhor esqueça que eu sou eleitora, e eu vou me lembrar.
Ele sentou-se. E a sua foi a única rede de escolas que não teve as subvenções canceladas naquele período. Certa feita, ela estava numa cidade do Sul, onde a intolerância racial era muito grande e teve uma apendicite. Foi levada de emergência ao hospital e colocada na mesa cirúrgica. Quando os médicos entraram e a viram, disseram:
- Operar uma negra?
E saíram da sala. Ela pôs a mão no lugar dorido, olhou para a janela e orou: "O Senhor deve estar brincando comigo. Acho que o Senhor só me deu essa apendicite para me desafiar. Porque se o Senhor me ajuda a sair desta mesa eu lhe prometo que, na América que o senhor pôs na Terra, nunca mais morrerá ninguém de apendicite pelo crime de ser negro, porque eu não deixarei."
Levantou-se e ergueu uma Faculdade de Medicina. É uma das histórias mais lindas do século, mas, infelizmente, desconhecida dos brasileiros.
Quando estourou a guerra da Coréia, ela já era um vulto venerando no mundo. Foi conselheira da UNESCO e da ONU para assuntos raciais. Certa vez, ela vinha atravessando o corredor para negros, no aeroporto de uma cidade do Sul. Um rapaz branco saltou a cerca, abraçou-a e chamou-a de mamãe.
Então o colega reagiu:
- É louco? Como pode abraçar esta negra?
Ele explicou:
- É por causa desta negra que eu vou dar a minha vida na Coréia. Quando eu fui convocado para a guerra, em um país que jamais eu havia ouvido falar o nome, fui ao meu professor de geografia e perguntei: Onde é que fica mesmo essa Coréia? Ele mostrou no mapa uma região miserável, perdida, que eu não sei quem está lá. E eu vou prá lá, porque me disseram que eu vou salvar a democracia, que eu aprendi com esta negra, que ama a todos os homens, sem perguntar o nome, a cor, a raça ou a crença.
Ela escreveu mais tarde:
- Eu poderia ter morrido naquele dia, porque minha missão, na Terra, havia acabado.